Podemos estabelecer um paralelo entre o Socialismo e a Fraternidade Maçónica?
Autor: Charles-Albert Delatour
A questão do paralelismo entre o socialismo e a fraternidade maçónica é complexa, pois toca conceitos distintos – um sistema político-económico, por um lado, e um valor espiritual e organizacional, por outro – mas merece uma análise aprofundada devido a certos pontos de convergência e de divergência. Trata-se de uma exploração pormenorizada, estruturada para examinar as semelhanças, as diferenças e as nuances, com base nos princípios da Maçonaria e nos fundamentos do socialismo, tendo em conta o contexto histórico e filosófico.
Definições e princípios fundamentais
Para estabelecer um paralelo, é essencial clarificar os termos:
• Socialismo: Movimento político e económico que defende uma organização social e económica destinada a reduzir as desigualdades, frequentemente através da redistribuição da riqueza, dapropriedade colectiva ou pública dos meios de produção e da intervenção do Estado ou da comunidade para garantir o bem comum. As suas formas variam, desde o socialismo utópico (Saint-Simon, Fourier) ao marxismo, passando pela social-democracia moderna (como na Suécia ou em França com o Partido Socialista).
• Fraternidade maçónica: Na Maçonaria, a fraternidade é um valor central, que simboliza a unidade, a solidariedade e a entreajuda entre os membros (irmãos e, em certas obediências, irmãs). Insere-se num quadro iniciático e filosófico que tem por objectivo promover o aperfeiçoamento moral e intelectual dos indivíduos e, por extensão, da sociedade, através de princípios como a liberdade, a igualdade e a tolerância. A fraternidade maçónica exprime-se nas lojas através de rituais, de trabalho colectivo e de um compromisso com os ideais humanistas.
Pontos de convergência: ideais partilhados?
À primeira vista, o socialismo e a fraternidade maçónica partilham certas aspirações que nos permitem estabelecer um paralelo:
Socialismo: O socialismo tem como objectivo criar uma sociedade mais justa, onde a riqueza e as oportunidades são partilhadas para reduzir a injustiça. Por exemplo, os socialistas utópicos do século XIX, como Charles Fourier, imaginavam comunidades (falanstérios) onde predominava a cooperação.
Fraternidade maçónica: A Maçonaria promove uma visão da humanidade unida por laços de solidariedade. Nos rituais do Grande Oriente de França (GOdF), a fraternidade é celebrada como um laço universal, que transcende as classes sociais. O GOdF, nos seus Estatutos e Regulamentos Gerais (2023), afirma:
“O objectivo da Maçonaria é o aperfeiçoamento do Homem e da sociedade através da prática da fraternidade“.
Paralelo: ambos valorizam uma forma de solidariedade colectiva, em que o indivíduo floresce através da sua contribuição para o grupo, quer se trate de uma comunidade socialista ou de uma loja maçónica.
b) Igualdade e rejeição de privilégios
Socialismo: O socialismo critica as hierarquias económicas e sociais baseadas na propriedade privada ou na herança. Karl Marx, em O Manifesto Comunista (1848), apelou à abolição das classes para estabelecer uma verdadeira igualdade.
A fraternidade maçónica: numa loja, os maçons consideram-se iguais, independentemente do seu estatuto social. As distinções externas (riqueza, profissão, posição) são simbolicamente deixadas “à porta do templo“. Como observa Pierre Mollier, historiador da Maçonaria, em "La Franc-maçonnerie" (2019):
“A fraternidade maçónica é uma igualdade vivida no espaço sagrado da loja, onde cada um é julgado pelos seus méritos humanos“.
Paralelismo: ambos rejeitam, pelo menos em teoria, os privilégios imerecidos e procuram estabelecer uma forma de igualdade, embora o socialismo aplique isto à economia e à sociedade, enquanto a fraternidade maçónica se limita frequentemente à esfera iniciática.
c) Compromisso com o progresso social
Socialismo: Historicamente, os socialistas têm defendido reformas como o sufrágio universal, a segurança social e a educação gratuita, em França, com figuras como Jean Jaurès.
Fraternidade maçónica: Os maçons, nomeadamente em obediências progressistas como o GOdF, apoiaram as lutas sociais (laicismo, direitos das mulheres, eutanásia). Henri Caillavet, Maçom e senador, ilustra este empenhamento ao defender a eutanásia e a doação de órgãos nos anos setenta.
Paralelo: Ambos fazem parte de uma abordagem progressiva, que procura melhorar as condições de vida através da acção colectiva ou da reflexão ética.
Áreas de divergência: abordagens e objectivos distintos
Apesar destas convergências, o socialismo e a fraternidade maçónica diferem fundamentalmente nos seus métodos, no seu alcance e nas suas filosofias.
a) Materialismo versus espiritualidade
Socialismo: O socialismo, especialmente na sua versão marxista, é materialista, analisando a sociedade através das relações económicas e das lutas de classes. Marx e Engels rejeitaram as abordagens idealistas, vendo as ideias como reflexos das condições materiais.
Fraternidade maçónica: Embora diversa, a Maçonaria baseia-se numa abordagem espiritual ou filosófica. A fraternidade é vivida através de rituais simbólicos, como o “juramento fraterno“, e baseia-se em noções metafísicas (a “cadeia de união”). Mesmo em obediências laicas como o GOdF, a fraternidade é um ideal moral e não uma política económica. Roger Dachez, em "Histoire de la Franc-maçonnerie française" (2003), escreve:
“A fraternidade maçónica é uma aspiração universal, não um programa político“.
Diferença: o socialismo actua sobre as estruturas materiais (economia, leis), enquanto a fraternidade maçónica actua num quadro simbólico e ético, sem pretender transformar directamente a economia.
b) Colectivismo vs. individualismo
Socialismo: O socialismo favorece o colectivo, por vezes em detrimento do indivíduo, defendendo a propriedade comum ou a intervenção do Estado. Nas suas formas extremas (como o estalinismo), pode esmagar as liberdades individuais.
Fraternidade maçónica: A Maçonaria equilibra o colectivo e o individual. A fraternidade une os maçons, mas a iniciação é um percurso pessoal, orientado para o auto-aperfeiçoamento. Nos seus textos fundadores, o GOdF insiste na “absoluta liberdade de consciência”, um princípio incompatível com qualquer colectivismo autoritário.
Diferença: O socialismo pode tender para um colectivismo restritivo, enquanto a fraternidade maçónica valoriza o indivíduo num quadro voluntário e fraterno.
c) Âmbito universal vs. âmbito restrito
Socialismo: O socialismo é um projecto universal que visa transformar a sociedade no seu conjunto, frequentemente por meios políticos (partidos, sindicatos, revoluções).
Fraternidade maçónica: A fraternidade maçónica é vivida num quadro restrito (as lojas), embora aspire a irradiar-se universalmente. Os maçons não procuram impor os seus valores à sociedade, mas sim encarná-los pelo exemplo. Como salienta Alain Bauer, antigo Grão-Mestre do GOdF, em Le Crépuscule des frères (2012):
“A Maçonaria não é uma ideologia, mas um método de pensar e de agir”.
Diferença: o socialismo é um projeto global e militante, enquanto a fraternidade maçónica é uma prática introspectiva e elitista (no sentido de seleção por iniciação).
Contexto histórico: ligações ambíguas
Historicamente, tem havido ligações entre o socialismo e a Maçonaria, mas estas têm sido matizadas:
Maçons socialistas: Nos séculos XIX e XX, alguns socialistas eram maçons, como Jules Vallès e Jean Jaurès (embora se discuta se Jaurès era Maçom). Em França, o GOdF apoiou as reformas socialistas, como o laicismo durante a Terceira República e os direitos sociais durante a Frente Popular. Henri Caillavet, Maçom e senador radical-socialista, encarnou esta encruzilhada, defendendo causas progressistas próximas do socialismo democrático.
Críticas mútuas: os socialistas marxistas, como Lenine, rejeitavam a Maçonaria, considerando-a uma organização burguesa e idealista, incompatível com a luta de classes. Por outro lado, alguns maçons conservadores, nomeadamente da Grande Loja de França (GLdF), desconfiavam do socialismo, que consideravam coletivista.
A fraternidade como inspiração: A fraternidade maçónica influenciou os ideais socialistas, particularmente no socialismo utópico. Saint-Simon, embora não fosse Maçom, partilhava com a Maçonaria a visão de uma sociedade harmoniosa baseada na cooperação, um eco da cadeia de união maçónica.
Por exemplo: em 2010, o GOdF publicou uma declaração a favor de uma “sociedade mais justa”, evocando temas próximos da social-democracia (acesso aos cuidados de saúde, educação). No entanto, nunca apoiou o socialismo como doutrina, mantendo-se fiel ao seu princípio de neutralidade ideológica.
Limites do paralelismo
O paralelo entre o socialismo e a fraternidade maçónica atinge os seus limites em vários domínios:
Objetivo: O socialismo é um projeto político e económico, enquanto a fraternidade maçónica é um valor espiritual e ético, sem objetivo sistémico. Um Maçom pode ser socialista, liberal ou conservador, desde que adira aos princípios da loja.
Meios: o socialismo pode utilizar a coerção (impostos, nacionalizações), enquanto a fraternidade maçónica se baseia na acção voluntária e na persuasão.
Significado prático: a fraternidade maçónica é vivida num quadro fechado (as lojas), enquanto o socialismo procura transformar a sociedade no seu conjunto. Por exemplo, um Maçom pode praticar a fraternidade ajudando um irmão em dificuldades, sem apoiar um sistema socialista.
Ilustração: Durante o debate sobre a eutanásia em França (ver artigo anterior sobre Caillavet), o GOdF apoiou uma posição progressista, próxima de alguns socialistas, mas baseada na liberdade individual e não numa lógica colectivista.
Uma parábola para reflexão
Para responder à sua pergunta em relação ao texto anterior (“O socialismo torna-o estúpido“), podemos imaginar uma parábola maçónica equivalente:
Numa loja, um venerável mestre propôs “calcular” a média dos esforços de todos os irmãos: todos receberiam as mesmas honras, quer participassem activamente ou não. Rapidamente, os irmãos mais assíduos se desmotivaram e os menos empenhados aproveitaram-se do sistema. A loja desmoronou-se, mostrando que a fraternidade exige um equilíbrio entre o esforço individual e a solidariedade colectiva.
Esta parábola, tal como a do professor, é simplista e não reflecte a realidade complexa da Maçonaria ou do socialismo. Ilustra, no entanto, uma tensão: a fraternidade maçónica, tal como o socialismo, deve conciliar o individual e o colectivo, mas fá-lo num quadro simbólico e não económico.
É possível estabelecer um paralelo entre o socialismo e a fraternidade maçónica, na medida em que ambos partilham ideais de solidariedade, igualdade e progresso social. Ambos têm como objectivo, à sua maneira, uma sociedade mais justa, e figuras como Henri Caillavet mostram as pontes históricas entre estas correntes. No entanto, as suas abordagens divergem radicalmente: o socialismo é um projecto material e político, frequentemente colectivista, enquanto a fraternidade maçónica é um valor espiritual e individual, vivido num quadro restrito.
O paralelo é, portanto, limitado pelos seus objectivos e métodos. A fraternidade maçónica pode inspirar ideias socialistas (como o socialismo utópico), mas mantém-se ideologicamente neutra, acolhendo maçons de todas as convicções. Por outro lado, o socialismo, nas suas formas mais marcadas, pode entrar em tensão com a liberdade individual defendida pela Maçonaria.
Reflexão final: Como diz um provérbio maçónico, “a fraternidade é uma corrente que une sem impedir“. O socialismo, pelo contrário, pode por vezes entravar em nome da unidade, o que marca uma diferença fundamental. Se houver algum assunto sobre o qual gostaria de saber mais (por exemplo, os maçons socialistas ou a fraternidade numa obediência específica), não hesite em perguntar!
Charles-Albert Delatour
(selecionado do Blog «Freemason.pt» de 16/06/2025, por Salvador Allen:. M:.M:. / Blog «Comp&Esq»)
Fonte
• Blog 450.fm
Referências
• Marx, K., & Engels, F., O Manifesto Comunista, 1848.
• Mollier, P., Maçonaria, PUF, 2019.
• Dachez, R., Histoire de la Franc-maçonnerie française, PUF, 2003.
• Bauer, A., Le Crépuscule des frères, JC Lattès, 2012.
• GODF, Constituição e Regulamentos Gerais, 2023.
• Comunicados de imprensa do GODF, 2010 e 2023.
• Hilson, M., The Nordic Model, Reaktion Books, 2008 (para o contexto social-democrata).
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