Com a devida vénia se transcreve esta reflexão do Irmão Fábio R. F. Pacheco (seleccionada do «Informativo CHICO DA BOTICA - Edição 136 - 30 Set 2019 – por «Jakim & Boaz»)
AFINIDADE – É essa a principal causa de evasão?
“Nunca temos tempo. No entanto, o tempo é tudo que temos.” (autor desconhecido)
Há muito tempo, quando recém exaltado ou talvez antes ainda, ouvi uma peça de arquitectura que muito me agradou; porém na época não compreendi adequadamente seu conteúdo. Infelizmente não consegui até hoje localizar o texto, pois não lembro do seu título nem do nome do autor e o Irmão que eu pensava ter trazido a peça também não se recorda dela. Assim sendo vou utilizar minhas palavras para a descrever.
Naquele texto o autor apontou algumas características relacionadas com as personalidades dos indivíduos, que se destacam das demais, o que possibilita facilmente identificar a afinidade dele com alguma e/ou algumas atividades da nossa instituição. Por óbvio e generalizando, é apenas uma forma de identificarmos uma predileção da pessoa por alguma área específica o que não significa necessariamente que ela não actue ou relegue as demais atividades.
Exemplificando: Quem não se lembra de um Irmão que é “fascinado” por ritualística; aqui vou chamá-lo de “ritualístico”, já que claramente é a actividade que mais o atrai. Outro identifica-se muito com a área administrativa, gostam de deixar os documentos e as finanças em perfeita ordem, aos quais vou chamá-los aqui de “gestores”. Temos ainda aqueles que mostram clara preferência pelos temas místicos, esotéricos, misteriosos em geral; chamo-os aqui de “místicos”. Há também quem tem nítida inclinação para atividades de filantropia e benemerência, estão sempre auxiliando de alguma forma, esses vou chamar aqui de “solidários”. Cito também os irmãos que tem ampla preferência aos estudos, gostam de ler e aprender, estão sempre buscando a verdade e vou nominá-los aqui de “estudiosos”. Na ordem, ainda temos aquele que quase só aparece em ágapes e festividades e adora as confraternizações, aqui vou identificá-lo como “ágape”.
Nos exemplos acima, busquei indicar algumas características que nos dão uma breve visão de afinidades; já o texto original é muito mais completo e acredito ter o autor grande conhecimento técnico da área de psicologia e/ou afins; pois se minha memória não me trair, listou 10 principais áreas de interesse observando os indivíduos com propriedade de profundo conhecedor do tema.
Quero agora ponderar sobre a questão das diferentes faixas etárias. Sem dúvida alguma nas oficinas há irmãos das mais diversas idades e esse é um processo natural de continuidade e renovação e de maneira geral, os novos integrantes são mais novos de idade. Mas penso ser totalmente relevante isso quando estamos tratando de afinidades, uma vez que as afinidades são diferentes nas diferentes idades e momentos de vida de cada um.
Penso que as diferenças etárias não apresentam, por si só, questão problemática; mas quando combinadas com outras características individuais e também da oficina demonstram claramente muitos casos de afinidades diferentes, ou seja, as afinidades de ambos não combinam.
Vamos adiante a outro ponto que considero fundamental.
Tenho observado ainda, em muitos de nossos mestres, o devido amor e afinidade com a Arte Real, porém essa verdadeira adoração pela ordem “de alguma forma” tem colocado uma espécie de viseira que não os permite lembrar as obrigações e também ver e/ou aceitar diferentes afinidades de novos integrantes. Digo isso pois tenho ouvido frases como essas:
- “A Maçonaria é assim mesmo, se para mim está bom assim é porque está tudo certo! ”;
- “Motivação só vem de dentro, cada um tem que arrumar o jeito de se motivar! ”;
- “Eu já sou grau X e antigo e, portanto, já fiz tudo que tinha que fazer! ”;
- “Fazer peça de arquitectura é coisa para Aprendiz e Companheiro! ”;
- “Não tenho tempo de fazer”!; e por aí vai
Na minha visão, esse ponto é especialmente nevrálgico tendo em vista que além de observar inadequadamente as afinidades, ou até mesmo nem observá-las os mestres com essa visão obscurecida e por vezes egoísta acabam por dificultar ainda mais a identificação de possíveis pontos comuns, mesmo que isso normalmente ocorra por razões Não propositais.
Sendo a afinidade uma relação que desperta afinação, semelhanças, sentimentos de afecto, ela não se dá apenas entre pessoas, também se pode dar com pontos de vista, com temas, com como anteriormente citado e, de certa maneira, até mesmo com objectos; ou seja, genericamente pode-se dizer que temos graus de afinidade com quase qualquer coisa ou até mesmo que não há afinidade alguma.
Vamos ampliar um pouco a visão ponderando: Se numa oficina há muitos indivíduos, por exemplo, “místicos” ou “ritualísticos” penso que essa característica tende muito a replicar para a oficina como um todo. Não quero dizer que isso seja ruim ou indesejável, quero aqui apenas observar isso como natural. Afinal a abordagem de temas preferidos pela maioria das pessoas é de se esperar que figurem na oficina com maior frequência que outros conteúdos.
Da mesma forma como é possível identificar essas qualidades nas pessoas, também é possível identificá-las em algumas lojas. Novamente exemplificando, já ouvimos que a loja AAA é uma loja “solidária”. Certamente a loja não se dedica apenas a ações dessa natureza, mas por conta das características individuais dos irmãos do quadro ela desempenha muitas ações filantrópicas o que a faz assim ser lembrada pelas pessoas.
Portanto da mesma forma que observamos indivíduos, observamos também oficinas. Há ainda oficinas que colocam no nome a actividade principal que deseja trabalhar, basta observar quantas lojas denominadas: Loja de estudos e pesquisas AAA.
Dando sequência, vamos imaginar que um profano com afinidades “místicas” seja iniciado numa oficina “gestora” ou “ágape”. É obvio que haverá muito menos afinidade caso esse mesmo profano tivesse sido iniciado em uma oficina “mística”. Como não há certeza quanto às preferências individuais do então candidato e as próprias oficinas também não têm clara essa opção, neste momento não há muito a fazer; apenas prosseguir com a iniciação.
Continuando com a nossa reflexão, pensemos que o novo iniciado é bem mais jovem que a média dos demais irmãos da oficina (logo está em fase de vida muito diferente dos demais) e há o agravamento da situação, uma vez que infelizmente os mestres da loja estão com suas visões prejudicadas pela viseira anteriormente citada; viseiras essas que involuntariamente estão usando, mas infelizmente assim estão. Que podemos esperar de um cenário como esse? Possivelmente uma futura evasão é a minha opinião.
Há quem diga que estou exagerando! Sim, talvez esteja mesmo, mas paremos um momento e recordemos exemplos que temos conhecimento; acredito que a maioria dos casos “inexplicáveis” de afastamento fatalmente nos remete a poucas afinidades comuns. Esse é o meu pensamento, o qual é fruto de muitas conversas com irmãos, observação e análise de casos reais ocorridos os quais, com muita tristeza, vejo sucederem com grande frequência.
Sendo assim, procurei exemplos mais contundentes para facilitar a percepção do meu ponto de vista. Mas sob a minha óptica isso infelizmente ocorre também nos demais casos, apenas variando o “grau” dessas afinidades ou da sua ausência; já que a falta de afinidades pode ocorrer com muitas e variadas coisas e visões.
E o que fazer?
Apesar de tudo, acredito que a solução é simples. Fácil nem tanto, porém simples. O primeiro passo é a consciência e o conhecimento da real situação que se apresenta e é justamente aqui que está a parte difícil. Temos que reconhecer as características mais marcantes da nossa oficina, ajudar o novo irmão a descobrir as suas afinidades e principalmente conhecer as nossas próprias afinidades, além de parar de usar “desculpas” com as citadas anteriormente, nas frases de alguns mestres. Então é necessário o mais básico exercício do maçom; buscar o autoconhecimento reentrando na nossa própria câmara de reflexões como o VITRIOL nos ensina.
Assim sendo teremos condições de reconhecer as afinidades, ausências dela e a maneira como o assunto será conduzido. Penso que a melhor forma é buscar a construção das afinidades dentro da própria oficina. Se ainda assim faltar convergências, como por exemplo: o novo maçom não tiver, de facto, afinidade com o rito adoptado pela oficina; basta apresentar-lhe outras oficinas que trabalham de forma diferente (outro rito) com o qual ele possa vir a identificar-se; afinal é melhor o irmão noutra oficina do que afastado!
Concluindo, penso que Afinidade é a chave na questão das evasões, como busquei demonstrar; e o desafio está na compreensão e no conhecimento disso permitindo assim que seja estabelecida a atração desejada entre o Maçom e Maçonaria. Ciente que para toda e qualquer actividade proporcionar satisfação e reconhecimento ao indivíduo é necessário que haja grande afinidade entre ambos, seja outra pessoa, tarefa e nesse caso nossa Sublime ordem.
* Irmão Fábio R. F. Pacheco
(Seleccionado do «Informativo CHICO DA BOTICA - Edição 136 - 30 Set 2019 – por «Jakim & Boaz»)
Sem comentários:
Enviar um comentário