PANDEMIA/CONFINAMENTO
Pandemia (o povo todo) versus Confinamento (ter um limite comum), dois substantivos que nunca pensaram estar tão intimamente ligados como nos tempos que correm. Dizem ser, um organismo microscópico, o causador de tão intensa ligação, mas será só ele? Acreditamos mesmo que um convívio existente desde os tempos dos procariotas, em que umas vezes (muitas) tudo corre bem e outras (poucas) corre mal, será o responsável por andarmos todos às aranhas e à procura de não sei o quê? Não resisto a citar D. Diderot…poderemos exigir que se encontre a verdade, mas não que a tenhamos que encontrar…
Até Dezembro de 2019 as palavras, equilíbrio e harmonia, dominavam esta magnífica relação entre macro e micro organismos, cada um com um trabalho celular específico, notável e construtivo não cabendo no produto final a chamada destruição total por não fazer parte do processo e não ter responsabilidade na dinâmica vital, melhor dizendo, o desafio significativo, em que a mesma palavra significa coisas diferentes conforme a área do contexto.
Vale a pena recordar os enormes pensadores da Antiguidade desde os de Mileto aos Eleatas que sem base científica intuíam esta esplêndida relação mais tarde estudada e comprovada. Tales, Empédocles, Heráclito, Parménides, Alcméon, Demócrito e Leucipo a desenharem as pedras basilares (ou brutas) que Newton, Leibniz, Lineu, D’Holbach, D’Alembert, Wallace, Pasteur e Koch burilaram (ou tornaram cúbicas) para que os moderníssimos cientistas actuais as adornassem com tanto conhecimento que se tornou quase impossível abarcar.
Então porque tem, hoje, o povo todo que lidar com um limite comum que de desconhecido só tem aquilo que teimamos em desdenhar? Porque neste mar encapelado do conhecimento surgem novas palavras (a saber, incompetência e impotência) que medram e desfazem a velhíssima relação entre organismos vitais, e que juntas se traduzem numa só, que não é nova mas tão velha como os eucariotas, que se designa por medo? Não sabemos nós que a única coisa que se consegue ao recear o inevitável é arruinar o presente? Novamente D. Diderot a inundar a reflexão…qual o papel da paixão pela aprendizagem em que o pensador tem que pisar a seus pés preconceitos e alianças de dominação autoritárias, ou seja, tudo o que deseja controlar o espírito de rebanho…
À boa maneira de Robert M. Sapolsky (que no seu livro sobre a biologia humana nos transmite o que de melhor e pior acontece) vamos lá tentar decompor estes dias em que damos mais valor ao negativo (Trevas) do que ao positivo (Luz). Diz o Autor citado que o comportamento não começa no cérebro pois este é apenas a via final comum através da qual convergem todos os factores que criam o comportamento.
É bem sabido que os nossos córtex pré-frontal, sistema límbico e sistema dopaminérgico agem da mesma maneira desde o seu aparecimento no cérebro de cada animal complexamente elaborado, ao invés do nosso pequeníssimo amigo, cunhado de Sarscov2, que apenas exibe uma cadeia proteica de aminoácidos protegidos por uma capa de lípidos, melhor dizendo, uma frágil e intrincada cadeia helicoidal coberta de gordura. Sabemos também que só vive em tecidos vivos com a novidade de se aguentar umas horitas (ou mesmo dias) em território não vivo e ainda que tem uma voracidade fora do comum para se atrelar a tudo o que o faça replicar. Afinal, um processo tão bem estudado que nos levou a entender a fantástica simbiose (e consequente patogénese) entre grandes e pequenos bichos que, em equilíbrio, regulam uma série de fenómenos fisiológicos (e patológicos, claro) que sarapintam o que chamamos vida.
Então, de imediato e neste instante, temos a porção ventromedial do córtex pré-frontal em acesa comunicação com a amígdala e hipocampo a mandarem-nos ter medo fechando-nos sobre nós próprios e sem sabermos bem o que fazer porque nos desabituámos a tal, e pedindo a todos os santinhos que a porção dorsolateral do mesmo córtex (aquele que segundo Sapolsky …nos leva a fazer a coisa mais difícil quando esta for a mais certa, não no sentido moral mas neurobiológico…) actue rapidamente pois sabemo-la lenta mas racional. Entretanto, as mesmas áreas cerebrais estão ligadas às células meso límbicas e meso corticais gritando ao sistema de recompensa (dopamina) para sairmos depressa do estado caótico e aflitivo que o medo provoca. Eles respondem, horas a dias antes numa síntese programada, libertando, já não neurotransmissores mas neurohormonas e neuropeptídeos (testosterona e ocitocina) capazes de por a coisa em ordem por amplificarem, quer a agressividade quer a bonomia, isto é, a extraordinária batalha perpétua da dominação entre a emoção e a cognição.
Dependendo de cada um, a base material da alma, lá começa a receber informações e a dar ordens para que a resolução de ponha a caminho, não sem antes (dias a meses) ter sido contaminada pela estupenda memória (que tudo armazena e liberta de modo a dotar a acção com armas que não só inconscientes) e pela influência sociocultural (anos a séculos) que desenhou cada uma das civilizações, etnias e comportamentos.
Com a lição tão bem estudada, e esquecendo o pensamento categórico, porque vacilamos neste confinamento que a pandemia exige? Ou não? A pandemia não exige nada, apenas se manifesta nos moldes que sabe. O confinamento sim é imposto, precisamente, porque de repente não sabemos nada sobre este bichinho novo, que afinal não será tão novo nem desconhecido assim, desatando todos a opinar com o sistema límbico (emoção) ao rubro e o córtex pré-frontal (cognição) adormecido.
Se calhar, os nossos recursos e capacidades intelectuais estão apenas a seguir o molde que lhes foi, subtilmente, impregnado nos corredores neurais cuja plasticidade tem sido a responsável por ainda cá andarmos neste fantástico Planeta. Explico melhor: a dicotómica dialéctica entre os colhedores do dinheiro (o poderoso inimigo da imaginação humana) à custa dos outros e os fazedores do dinheiro sem proveito nenhum têm tido várias e diversas disputas que todos sabem de cor e salteado. É evidente que os mais insatisfeitos, paradoxalmente, são os colhedores da mais-valia dos outros que, pouco a pouco, foram controlando aquilo (alguns chamam cultura, outros informação e poucos aprendizagem) que poderia eventualmente equilibrar a tensão entre ricos e pobres, patrões e empregados, governadores e governados ou como agora, entre o conhecimento e a ilusão dele como nos disse S. Hawking.
Começaram, timidamente, no chamado ensino oficial (escolar, liceal e universitário), espertíssimos ao não introduzirem os seus conceitos e princípios (estes eram ensinados nas escolas particulares e muito bem pagas) mas retirando o que de sólido tinham como a aprendizagem heurística baseada nas necessidades dos alunos e não na dos professores (como disse Voltaire…os sectários usam palavras que ninguém compreende para explicar coisas que são inconcebíveis…), depois passaram ao sector dito empresarial, também finíssimos oferecendo almoços de borla (que nunca são), sobretudo aos fazedores do dinheiro (chegando ao ponto, como há bem pouco tempo, dos trabalhadores de mesma multinacional serem deslocados para furar uma greve dos colegas noutro país) e por fim na chamada sociedade política fabricando e distorcendo intenções de voto para acabarem no poder aqueles já transformados pelas mudanças apontadas. Uma vez dominada esta classe o resto foi fácil culminado no controlo da velhíssima ciência agora subjugada, não à hipótese, experimentação e tese mas aos interesses do que poderá gerar capital. Deixem-me dar-vos um exemplo paradigmático: o que está a acontecer na pátria da medicina privada (EUA) em que há mais de 50 anos montaram um sistema baseado, não na prevenção nem na cura integral mas nos lucros exigindo e impondo protocolos cujas parcelas apenas visam o esforço de reduzir custos, e quando lhes cai em cima uma desgraça cujos contornos estão fora dos ditos protocolos, ficam tolhidos pelas tais parcelas que eles próprios engendraram ficando sem saber o que fazer, ou pior, fazendo o que estão a fazer (os colhedores do dinheiro apostados em colher mais e os outros a emitirem opiniões e acções completamente fora da realidade), num todos contra todos em que o menor dos males, para eles, é uns quantos milhares morrerem pois não faz mal nenhum – inconcebível!
…Não há machado que corte a raiz ao pensamento, por ser livre…À, se o poeta fosse vivo as lágrimas, no rosto sulcado, correr-lhe-iam pois o pensamento sujeitou-se a esta ignomínia a que estamos assistir. Cito R. Sapolsky…antigamente os prazeres eram subtis e duramente obtidos, ou seja, o que era um prazer ontem é algo que nos julgamos merecedores hoje e que não será o suficiente amanhã…
Não, não é por acaso que os pequenos pedaços de resistência (como a N∴A∴O∴ que é o reservatório dos Mistérios Antigos e iniciáticamente nos incentiva a querer melhorar o mundo que é como quem diz tornar a virtude atraente e o vício odioso ou que a Verdade, o Bem e a Beleza não se resumem ao …Ô stercus pretiosum…) dizia, estão sob fogo constante destes senhores sem rosto (infelizmente alguns bem infiltrados onde não deveriam estar) que são os verdadeiros desenhadores deste povo todo estar amarfanhado neste limite comum.
Termino citando de novo D. Diderot…a inacreditável imprevisibilidade da natureza só é igualada pela capacidade da humanidade em querer controlá-la…, mas, em vez de a querer dominar, despertemos o nosso lado cognitivo de braço dado com o emotivo elevando-nos, e vamos desmascarar e tornar invisíveis estes seres tentaculares que nada valem para que os vindouros nos possam julgar em Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Diógenes de Sínope M∴M∴
Bibliographia
-Robert M. Sapolsky – “Comportamento – A biologia humana no nosso melhor e pior”, Ed. Temas e Debates – Círculo dos Leitores-2018
-Andrew S. Curran – “Diderot e a Arte de Pensar Livremente”, Ed. Temas e Debates – Círculo dos Leitores-2019
Excelente e denso trabalho, onde se evidencia que a super-globalização também tem (quando já nem penava nisso), como sempre aconteceu também no passado, estes problemas de equilíbrio «bicho/homem», cuja rápida difusão se deve à super estrutura produtiva globalizante (descentralizada, pelas vantagens económicas)e de, como bem é é referido «É evidente que os mais insatisfeitos, paradoxalmente, são os colhedores da mais-valia dos outros que, pouco a pouco, foram controlando aquilo (alguns chamam cultura, outros informação e poucos aprendizagem) que poderia eventualmente equilibrar a tensão entre ricos e pobres, patrões e empregados, governadores e governados ou como agora, entre o conhecimento e a ilusão dele como nos disse S. Hawking.»
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