Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)
2 de dezembro de 2019
Orlando Ribeiro
Sobre o meu Nome Simbólico
ORLANDO RIBEIRO
Só no interior da câmara de reflexão, aquando da minha iniciação, me dei conta que tinha de escolher naquele momento, um nome simbólico. Na densidade emocional do momento várias foram as possibilidades emergentes: Miguel Torga (poeta, escritor); Fernando Pessoa (poeta, escritor); Jorge Dias (antropólogo/etnólogo); Michel Giacometti (etnomusicólogo), Freud, Darwin, entre outros. Tinha contudo, preferência por uma identidade/identificação portuguesa e animada por pensamento científico; decidi por uma personalidade portuguesa, que apenas na última década tive melhor conhecimento e que, estranhamente é pouco conhecida, mesmo no meio académico interdisciplinar.
Orlando Ribeiro foi um ilustre geógrafo e historiador português nascido em Lisboa a 16 de Fev. de 1911 e falecido em 17 de Nov. de 1987 (viveu 76 anos); teve uma infância partilhada entre a cidade de Lisboa e Viseu (naturalidade dos pais) e sempre se sentiu ao mesmo tempo “filho da grande cidade portuária e descendente dos camponeses e serranos da Beira interior”. Desta dupla origem decorre talvez, tanto o interesse precoce pela Geografia das cidades como, mais ainda, pela diversificada vida do campo e pelas majestosas paisagens a ele associadas. Partilho com Orlando Ribeiro, o facto de o campo na minha infância e juventude, ter sido palco de livre vagabundagem, infindas aventuras e explorações por olivais, ribeiras e serranias; fascínio da descoberta de tudo o que é coisa ou bicho, e que deixa na vida um rasto sensorial de magia e encanto marcado por cheiros, sons, imagens e afectos (isto, é para mim é o Sagrado, a comunhão plena entre o “Eu” e o “Meio”, em sentimento de pertença). O segredo do Homem é a própria infância, escreveu o psicanalista João dos Santos, o que dá conta da importância vital desta etapa da vida, tão frequentemente esquecida e mesmo desvalorizada.
Formado em História e Geografia (1932), doutorou-se em Geografia em 1935 em Lisboa, com tese sobre a serra da Arrábida (“Arrábida, esboço geográfico”); entre 1937 e 1940 (durante a Guerra) viveu em Paris e trabalhou como Leitor na Sorbonne. Em 1940 foi nomeado professor da Univ. de Coimbra mas logo se instala em Lisboa e funda em 1943, o Centro de Estudos Geográficos (Lx) onde inicia em 1966 inicia a publicação da revista Finisterra (a mais importante revista de Geografia portuguesa com projecção internacional). Casado com a geógrafa Suzanne Daveau (ainda viva, e atenta divulgadora da sua obra) e pai do geólogo da FC/UL António Ribeiro.
Grande admirador e discípulo de José Leite de Vasconcellos (que considerava ser o seu pai espiritual e a quem tratava respeitosamente por “Mestre”), e a quem deve, dizia, a posse de uma disciplina de trabalho e de um ideal de servir a Ciência.
Procurou sempre recusar atitudes politicas ou alinhar em tendências partidárias, mas foi sempre um cidadão consciente e corajoso, não hesitando em intervir quando sentia que a injustiça ou a ignorância se impunham, ao que entendia ser da sua competência profissional ou cívica (jocosamente designava-se como um “romântico liberal” em reposta à insistência de posicionamento …).
Possuidor de um sólido e notável currículo académico e profissional, quer em Portugal quer no estrangeiro. O que conheço da sua obra, pode muito bem ser um exemplo nítido da (muito) feliz trilogia “FORÇA, BELEZA E SABEDORIA”, núcleo norteador de toda a inspiração e produção maçónica. Poderíamos considerar a sua conduta como a de um maçom, mas que não foi iniciado (com refere António Arnaut acerca da conduta do maçom).
Mas as razões que me levaram a um reconhecimento e adopção do seu nome, ou seja, o que mais me marcou, foi a humanidade presente na sua geografia humana; a sua capacidade de observação do espaço e integração nas populações, de interagir particularmente com os não-académicos, o anónimo citadino, o analfabeto camponês, a quem ouvia atentamente. Apesar de ser um urbanista, Orlando Ribeiro foi um homem do terreno e do campo, lugar onde verdadeiramente gostava de estar e onde desenvolvia a sua capacidade de observação científica: “a base da minha educação cientifica é a observação”, dizia. E ainda que:
“Ao ritmo imperceptível de transformações que a observação sugere mas só o espírito reconstitui, decorre o mais profundo da história humana, aquela que não tem datas, nem personagens e flui obscuramente através da vida popular, do princípio dos tempos até hoje. Esta é a raiz da minha vocação”
Embora mais conhecido pela sua produção académica (nacional e internacional), dedicou-se com perseverança a um leque de actividades universitárias e culturais, lutando sempre para a melhoria da qualidade do ensino universitário (onde, como refere “encontrei fraca audiência e irremovíveis entraves aos meus esforços renovadores”) e pela defesa de uma vida pública dotada de elevados valores.
- A sua obra mais conhecida (para alguns uma obra-prima), “PORTUGAL, o MEDITERRÂNEO e o ATLÂNTICO” surgiu de uma encomenda de editor (a Coimbra Editora) em 1941 (surgiu-lhe o titulo “Portugal, Produtor de Homens”) e que é um hino à cultura mediterrânica e a Portugal, suas gentes, cultura e papel no mundo. O propósito da obra era delinear os traços físicos e expressões humanas que constituem o travejamento fundamental das paisagens, paisagens estas que Orlando Ribeiro entendia como uma herança, um produto da história que o presente não explica. Este trabalho é uma síntese que evidencia e destrinça as influencias e relações que se entrelaçam em Portugal. Na altura, o regime de ditadura, fundamentava-se numa ideia de unicidade de Portugal e, o que Orlando Ribeiro veio a mostrar foi precisamente o inverso, a demonstração cientifica de um país pleno de diversidade geográfica e cultural, tanto no continente como nos outros territórios (insulares e colónias). José Mattoso refere que, pela obra de Orlando Ribeiro, tornou-se necessário alterar a visão histórica de Portugal.
Este livro permanece como uma das obras fundamentais para o conhecimento de Portugal e um testemunho perene da nossa cultura; apresenta uma visão inovadora e promotora de interpretações solidas e variadas sobre a personalidade do país que ocupa a agreste finisterra atlântica da mais ocidental das penínsulas mediterrâneas da velha Europa (Suzanne Daveau).
Orlando Ribeiro caracterizou os povos mediterrâneos por:
1) uma “insubmissão aos valores mais prezados no mundo actual”, 2) “o apego actos gratuitos”, 3) “o prazer das relações humanas a que se sacrificam tempo e lucro”, 3) “uma fantasia tenaz que gera a indisciplina e a revolta contra a rigidez com que se pretende impor às massas o que se imagina fazer a sua felicidade”;
Povos que têm como seus ideais (assentes no desejo de liberdade e na diversidade da vida):
1) o não gostar de trabalhar afinado como uma máquina, 2) o gostar de se alimentar segundo os caprichos do seu apetite, e não segundo os preceitos da melhor dieta, 3) o que se diverte ou descansa como lhe dá na gana, 4) o pôr gosto e brio numa tarefa humilde, e não executar como um autómato os gestos que lhe garantem um maior rendimento.
Este tipo de Homem, ao embate de novas tendências e cilindrado pela força implacável da propaganda, acabará talvez por sucumbir: com ele murchará uma das mais puras flores da civilização.
Uma das edições de “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico”, contém a mais bela dedicatória que conheço, e que não resisto a transcrever, pois dá também conta de um universo interior que me anima:
“Aos camponeses, pastores, moleiros, a almocreves, pescadores e gente de outros ofícios, pela maior parte já desaparecidos, dedico esta obra, nutrida da sabedoria dos velhos e das esperanças e anseios dos novos, aos que nunca a poderão ler: gente humilde que aceitou um destino simples, exerceu com esforço o que aprendeu dos antigos, modelando a fisionomia dos lugares e prolongando no mar a obscura energia dos homens. Que ao menos tenha sabido guardar, sob a severa disciplina da Ciência, a amorosa compreensão da terra e da gente, que constitui a essência da Geografia, insufla o seu espírito, anima as descrições, ilumina a interpretação e tem constituído, para o autor, a mais convicta e entranhada vocação”.
Não posso deixar de pensar para mim:
[que ao menos eu saiba, no meu percurso de vida, aperfeiçoar, desenvolver e partilhar, aquilo que possam ser “as minhas vocações”].
E gosto de pensar que o meu iniciado percurso na Maçonaria, possa ser um contributo para esse fim.
Orlando Ribeiro, M.'.M.'.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
...o mais curioso, é que ele, um homem com tamanha e significativa obra e não tanto conhecido mas, que o querido irmão o fez, creio à lista extensa que me inclui, reconhecido tão grande quanto a sua obra ...
ResponderEliminarparabéns pela forma e pela escolha !
Adilson Zotovici