Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

13 de agosto de 2019

O Rito Francês, um Rito Laico


Com a devida vénia e respectiva autorização se transcreve este artigo de Maria Elvira Cipagauta publicado no blogue Jakim&Boaz.

O Rito Francês, um Rito Laico
O que define o Rito Francês é o seu sistema simbólico e ritual, mas  também a sua  identificação histórica com o G∴O∴D∴F∴. A história do Rito Francês sobrepõe-se à  historia maçónica francesa e belga, cheia de ruído e fúria, fortemente marcada pela história política, social e religiosa destes dois países.
A evolução dos seus rituais deveu-se a uma mudança  gradual, abandonando progressivamente as suas bases simbólicas,  para acompanhar a imersão cada vez mais profunda dos Grandes Orientes de França e da Bélgica na  luta política.
Antes de la Segunda Guerra Mundial, dentro do G∴O∴D∴F∴ foi decidido regressar gradualmente às preocupações  com os ritos e símbolos, permitindo o desenvolvimento do movimento iniciado por Arthur  Groussier,  Grão-Mestre do G∴O∴D∴F∴ em 1938, quem decidiu regressar às raízes do Rito Francês, sem se separar do  secularismo que se havia afirmado fortemente. O adogmatismo e a liberdade absoluta de consciência são  ponta de lança de uns Orientes modernos e activos, comprometidos na luta de ideias e de valores, no  coração do campo social.
O caminho até ao  secularismo foi  lento, mas progressivo. Entre os anos 1730-1740, la Grande Loja de França, precursora do G∴O∴D∴F∴, decidiu a inversão das colunas com o desaparecimento do  simbolismo e das  suas referências ao Novo e Antigo Testamento.

Em 1871, o Grande Oriente de Bélgica decidiu abolir a referência obrigatória a Deus e à imortalidade da  alma. Em 1877 o mesmo efectuou o Grande Oriente de França, retirando o livro da lei sagrada do altar de juramento. Em 1877 foi corrigida a seguinte redacção do Art. 1° da Constituição de 1865, do G∴O∴D∴F∴: "Os seus princípios são a existência de Deus, a imortalidade da alma e a solidariedade humana. Ele considera a liberdade de consciência como um direito que pertence a cada homem e não exclui nada nem ninguém pelas suas crenças”.  Esta afirmação foi modificada  pela seguinte forma: "Os seus princípios são a liberdade absoluta de consciência e a solidariedade humana."
A decisão tomada pelo G∴O∴D∴F∴ e pelo  G∴O∴D∴B∴ ao eliminar qualquer referência obrigatória a um princípio superior,  declarando-se  "adogmáticos",  provocou a ruptura definitiva com a maçonaria anglo-saxónica.
A referência obrigatória a estes símbolos foi eliminada  porque violava la liberdade de consciência e impedia que o maçom  fosse efectivamente um Homem Livre numa Loja Livre.
Em consequência, os Rituais foram postos de harmonia com as alterações que se acabavam de fazer à  Constituição.

Sem embargo, a ideia de uma limpeza simples não era suficiente. Várias autoridades basearam-se na  decisão de 1877 para exigir la eliminação da "herança simbólica" que tinha o rito.
Em 1895 existiu uma tendência para uma reforma mais radical. Todas as fórmulas oficiais que evocavam o G∴A∴D∴U∴ o que pareciam possuir alguma tonalidade  religiosa, desapareceram. Retiraram-se as Três Luzes, o Delta Luminoso situado no  Oriente, e todos os símbolos directos de uma Maçonaria de origem cristã.
A resolução  de 1877 de suprimir as "afirmações dogmáticas" foi o resultado do acompanhamento dum  movimento anticlerical e  racionalista que teve as suas raízes no Iluminismo e na Revolução de 1848. A Vontade de apagar o que era demasiado religioso, era una constante, assim como a de  alterar a carga religiosa da  liturgia do cerimonial, facto que foi particularmente sensível.  Tudo o que se refira à  corporalidade, à  manifestação emocional, à irracionalidade, é suprimido, em benefício de uma doutrina racionalista, dirigida à luta  emancipadora republicana.
Alterou-se para uma  interpretação que, para além do agnosticismo de 1877, conduz  a um positivismo radical,  mais próximo do início do ateísmo doutrinal.
O ritual do Rito Francês converte-se num Ritual  gentil e amável,  que permite que se chegue à  estrutura e  tonalidade que marca actualmente o Rito Francês.
As  constituições do  G∴O∴D∴F∴ e do G∴O∴D∴B∴ asseguram "a liberdade absoluta de consciência e deixam as  concepções metafísicas à apreciação individual dos seus membros".
Na concepção  liberal da Maçonaria, o Maçom é,  portanto, um homem livre e autónomo. Não deve submeter-se a nenhum dogma, preconceito, verdade  pré-estabelecida ou ser superior. Pode praticar o exame livre, tem o seu livre arbítrio, a sua  liberdade de pensamento e consciência. A  Maçonaria  liberal é adogmática e humanística com crentes ou ateus.
O  G∴O∴D∴F∴ sempre se opôs ao  obscurantismo e até hoje,  sempre defendeu o secularismo. Diz-se  que é anticlerical que é uma afirmação  bastante normal  se, como  sabemos,  o clericalismo significa "favorável à  intervenção do clero nos assuntos públicos".
A Maçonaria liberal e adogmática também é antirreligiosa, embora se defenda  a si mesma porque a religião é somente um conjunto de dogmas e crenças e a Maçonaria adogmática  simplesmente rejeita todos os dogmas e preconceitos. Ao rejeitar  todos os dogmas, só pode, coerentemente, estar em  oposição à religião, caso contrário deveria alterar o seu estado e  estatutos.
Cada maçom deve trabalhar para o bem-estar da Humanidade. Deste modo, participar na vida dos cidadãos é comprometer-se politicamente de una forma ou de outra. Honestamente conduzida, a política significa querer participar na acção pública. Se muitos dos nossos percursores maçons não tivessem investido as suas   energias e pensamentos em problemas reais, se se tivessem refugiado em quimeras, em lugar de abordar os problemas reais da sociedade, muitos dos nossos países no teriam  encontrado a sua  liberdade, a Maçonaria  não teria avançado e não teria chegado ao ponto de desenvolvimento em que se encontra hoje em dia.
Abundam os  exemplos de maçons dedicados a causas nobres,  que lutaram  para garantir as nossas  liberdades individuais e  condições de vida dignas para todos. Seja qual for  a forma de participação, é estimulante encontrarmo-nos com os Maçons que participam ao serviço de um  objectivo eleito e  rentável para outros "que continuam, fora do  Templo, o  trabalho maçónico".
Que relação tem  o Rito Francês com tudo isto? Se nos pusermos a pensar, isto é o  Rito Francês, um reflexo da sua filosofia.
"A Maçonaria, uma Associação cosmopolita e progressista, tem como objectivo procurar a verdade e aperfeiçoar a Humanidade.   Baseia-se na  liberdade e na  tolerância; não formula nem  invoca nenhum  dogma. [...] Forma uma sociedade de Homens provados que, unidos pelos  sentimentos de liberdade,  igualdade e fraternidade, trabalham individualmente e em comum para o  progresso social e, portanto exercitam a beneficência no seu sentido mais amplo.
Como poderia a Maçonaria ser progressiva e trabalhar  para o  progresso social sem tratar os temas que preocupam a os Homens?,  como poderia sê-lo  sem influenciar a gestão e a  participação,  sem involucrar-se em políticas activas?  E não é somente  o Maçom individual quem  se compromete a fazê-lo, mas na  realidade a Loja, já que se trata de trabalhar juntamente. Esta nova definição confirma a  possibilidade para  que a Maçonaria  se expresse abertamente.
A Maçonaria  liberal e adogmática não formula nem invoca nenhum dogma. Isto significa que repudia todo o dogmatismo, que não impõe  limites na busca da  verdade; advoga pela liberdade no âmbito do pensamento e introduz o questionamento livre, tanto filosófico como religioso. Já  não exige aos seus membros ou candidatos que professem uma religião ou  reclamem uma crença.

Em resumo, o Rito Francês é um Rito positivista, liberal e secular. É o  ritual mais social da Maçonaria. A Maçonaria do Grande Oriente de França é uma  Maçonaria humanista, democrática e de dinâmica social, baseada na liberdade absoluta de consciência.

Maria Elvira Cipagauta,  M:.M:.

(seleccionado e traduzido da Revista “Adoniram”, Vol.II, Nº 3 (“Revista Digital Masónica del SCCC para el Grado 33° del REAA – Colombia” por “Jakim e Boaz”)


BIBLIOGRAFIA
• Marcos Ludovic, "Historia del Rito Francés en el siglo XIX," - Ediciones Masónicas de Francia, 2012.
• Wikipedia. "Rito Frances".
• "Constituciones GODF."
• "Freemasonry a French view". Roger Dachez, Alain Bauer -  Westphalia Press 2015


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