Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)
28 de janeiro de 2019
O Maçom deve ter um Perfil?
“Neste mundo nu e indiferente, é somente
dos homens que os homens podem esperar
dedicação, calor de sentimentos e ajuda nas
dificuldades da vida”.
Norbert Elias in A Condição Humana
O Maçom deve ter um Perfil?
Em primeiro lugar devemos dizer que ao reflectir sobre este assunto fomos gradualmente confrontados com um conjunto de temas e conceitos, interligados em rede como que formando um mapa de conceitos, como os que fazemos por vezes em investigação. Dispersámo-nos! E todo o presente traçado vai no sentido de clarificar o problema e a ideia de que se há ou poderá haver o “maçom ideal” vs “ideal de maçom” (com um seu respectivo perfil). O tema merece, naturalmente, uma tese. Ficamo-nos por um esboço de imperfeito traçado. Assim, paralelamente às qualidades que um maçom deve possuir, deparámo-nos com a necessidade de confrontação com outras entidades que, ao se aproximarem contagiando os valores da maçonaria, a podem desfocar, distorcer, desvirtuar ou mesmo perverter (ou seja, inverter o papel ou fazer uso para outros fins). Tal como para outras áreas do humano, a tentativa de compreensão de uma designada “normalidade” recorre à caracterização daquilo que dela se afasta (evidenciando o contraste), também aqui tentaremos enunciar qualidades desviantes indesejáveis, ou mesmo incompatíveis, com um perfil de maçom.
Abordaremos assim breves considerações sobre as noções de Identidade, Carácter, Perversão, Cinismo e Falso Self (ou falso Eu).
Como nos diz Ortega y Gasset, a vida que nos é dada tem os seus minutos contados e, além disso, é-nos dada vazia. Quer queiramos quer não, temos de preenchê-la por nossa conta, isto é, temos de ocupá-la de um ou outro modo. Logo, a substancia de cada vida reside nas suas ocupações. Se ao animal, além da vida lhe é dado o reportório da sua conduta instintiva, não podemos dizer que se ocupa disto ou daquilo. A sua vida nunca esteve vazia ou indeterminada. Já o Homem, ao encontrar-se existindo, encontra-se perante um pavoroso vazio; tem ele mesmo de inventar os seus afazeres e ocupações e, não sendo o tempo infinito, não tem outro remédio senão escolher um programa de existência, em detrimento de outros. Acontece que para a maioria dos homens a vida está cheia de ocupações forçosas, que não executaria se pudesse apenas seguir o seu gosto.
Os humanos encontram-se assim confrontados com dois reportórios de ocupações opostas: as trabalhosas e as que proporcionam felicidade; e é comovedor ver como, em cada individuo, as duas se combatem (11).
Diríamos que é na tentativa de harmonizar estas duas ocupações (trabalhosas e prazerosas), com todas as variáveis envolvidas (individuais, familiares e culturais) que se organiza o processo de socialização, de construção da personalidade e da identidade própria, da estrutura do carácter do individuo, ou seja, da sua forma habitual de pensar e reagir ao mundo que o rodeia.
Deste processo resulta uma experiência emocional da identidade, que se caracteriza pela capacidade de continuar a sentir-se o mesmo, ao longo da sucessão de mudanças e transformações que se verificam ao longo da vida. Leon Grinberg realça a importância da identidade e sua relação com a escolha da ideologia pelos indivíduos. Dado que a personalidade se organiza em função da qualidade das relações com os outros ao longo da vida, as principais respostas emocionais de um individuo dependem da existência do outro e da natureza do vínculo estabelecido com esse outro, seu semelhante. A forma de vivenciar a relação com o outro estará então em relação com a ideologia escolhida/adoptada. Uma será caracterizada por uma perspectiva mais egoísta ou egocêntrica, outra, por uma perspectiva mais responsável pelo outro. O “eu sou eu sem me importar com o outro” do primeiro caso, denota uma ideologia que tende para uma identidade baseada na auto-suficiência e na omnipotência arrogante. O “eu sou eu mas importo-me com o outro” representa uma ideologia que dá lugar a uma identidade mais madura, com sentimentos de solidariedade e objectivos de reparação; procurará lutar contra a injustiça social, a opressão e o sofrimento (7).
Parece-nos que a doutrina maçónica pela sua universalidade e tendo como virtudes o amor ao próximo, a tolerância e a crença numa sociedade mais perfeita (1) se enquadra de modo claro, numa identidade solidária, mais justa, de preocupação com o bem-estar dos outros e com o progresso da sociedade.
Relativamente ao perfil do maçom, a nossa posição de princípio vai ao encontro com o preconizado na (Editado pela Comissão Editorial do Blogue) de que, e primeiro que tudo, terá de ser “livre e de bons costumes”. Mas o que significa ser efectivamente “livre e de bons costumes”?
Ser “livre e de bons costumes” é em primeiro lugar ter um pensamento próprio, não estar condicionado ou subordinado a quaisquer interesses, sejam eles económicos, sociais ou políticos, ser um homem de bem e honesto para com a Família e Amigos, igualmente respeitador do rico e do pobre, ética e profissionalmente irrepreensível quer na vida diária profana, profissional ou maçónica, combater os dogmas e/ou os extremismos e colocar-se activamente na luta e/ou ambição de uma sociedade mais justa, equilibrada e equitativa; em suma ser livre e jamais transigir com a chantagem ou outros desvios de conduta tão comuns na vida profana. Só assim poderá ser assegurada a integridade e a credibilidade da N:.A:.O:..
Relativamente a este aspecto José Castellani, afirma que “Ser Maçom especulativo significa ser observador, perceber os princípios morais subjacentes aos símbolos e aplicá-los na construção de relacionamentos humanos confiáveis, sinceros e leais, e, através do estudo e da observação, tentar aprender a melhor forma de construir uma perfeita e harmoniosa fraternidade” (5).
Como consequência da Iniciação, o Maçom assume diversas responsabilidades, decorrentes da sua livre vontade em ingressar na Ordem Maçónica. Contudo, dada a natureza humana e as suas implicações na sociedade envolvente, à qual a Maçonaria não é estanque, quotidianamente o maçom depara-se com situações que colidem com tudo aquilo a que se comprometeu, aquando da sua iniciação, mas a que deve resistir e sobretudo combater.
Procuramos de seguida concretizar e definir duas qualidades essenciais do perfil dum Maçom.
Tolerância
Decorrente do livre-pensamento, a tolerância constitui um dos principais valores que um Maçom deve defender e praticar. A Tolerância é um dos princípios mais nobres que nos impõe a Maçonaria ao proclamar (Editado pela Comissão Editorial do Blogue) que a «A Maçonaria....obedece aos princípios da Fraternidade e da Tolerância, constituindo uma aliança de homens livres e de bons costumes, de todas as raças, nacionalidades e Crenças”. Importa salientar que não se trata da tolerância de quem suporta a posição do outro porque está numa situação de superioridade, mas a tolerância que se refere à aceitação plena na diversidade.
A Maçonaria, sendo uma instituição essencialmente ética, onde a reflexão filosófica sobre a sociedade, códigos morais e regras que orientam a conduta humana, tem por objectivo o estabelecimento dum sistema de valores e de princípios normativos da conduta humana, impõe a cada Maçom um comportamento ético, como homem livre e de bons costumes. É através da aprendizagem dos seus membros que a Maçonaria combate a intolerância, a tirania, o fanatismo e a ignorância. Todavia, no exercício da tolerância, a Maçonaria ensina também que esta exige a definição de limites.
Então o que realmente significa sermos tolerantes com crenças e práticas, relativamente às quais discordamos? A resposta não é linear, já que podem existir graus variáveis de tolerância. O caso da Igreja Católica Romana e da Inquisição, que procedeu à eliminação física daqueles que abraçavam crenças religiosas diferentes e considerados heréticos, é um exemplo dramático de intolerância.
O trabalho em Loj:. deve permitir, entre outras, abolir os patamares sociais, sendo para tal primordial que as Oficinas reúnam homens ou mulheres de todas as origens, nacionalidades, idades, credos e raças, possibilitando a construção duma compreensão mútua, suportada na prática continuada da Tolerância. Só assim a Loj:. representará um microcosmo no seio do macrocosmo.
Assiduidade, Estudo, Pontualidade e Postura
(Editado pela Comissão Editorial do Blogue) que «Os Maçons têm o dever de» - «honrar integralmente e sem mácula o compromisso prestado na iniciação»; e «frequentar com assiduidade os trabalhos maçónicos».
Por sua vez no (Editado pela Comissão Editorial do Blogue), salienta-se, «os Maçons não devem permanecer afastados dos seus trabalhos, salvo quando não exista Oficina regular no Oriente do seu domicílio, ou seja de todo impossível deslocar-se aos trabalhos de uma Oficina em Oriente próximo». Ambos são portanto unânimes em reclamar aos Obreiros (de todos os Graus), a observância da assiduidade, classificando este exercício como um dever indispensável de todos os maçons.
Como tornar consequente, prosseguir e elevar o funcionamento regular duma Loj:. quando uma parte significativa membros não comparece regularmente aos trabalhos? Esta é uma questão da maior importância e que merece uma reflexão cuidada na identificação e interpretação das causas subjacentes. Normais movimentos de resistência à dinâmica de trabalho por parte de alguns obreiros? Circunstancias coincidentes pontuais? ou clivagens mais profundas na coesão da Loja? Parece-nos que nunca devem ser desvalorizados estes fenómenos de grupo, em que a acomodação ou a reacção de recusa irreflectida nos parecem desadequadas.
Naturalmente que da assiduidade depende fortemente a sobrevivência da loja, mas também da qualidade dos vínculos entre os Irmãos, o que dá conta do sentimento de pertença e gratificação proporcionado. Tal como o psicoterapeuta deve analisar as resistências do cliente (normalmente começando a faltar) também em Loja se deve analisar e interpretar a falta de assiduidade.
Na procura de caracterizar um perfil adequado para o Maçom, tecemos algumas considerações que nos possam ajudar a clarificar um perfil desejável.
O Maçom Ideal vs O Ideal de Maçom
À semelhança de um Ego Ideal (ou Eu Ideal) (8), o Maçom Ideal seria definido como uma figura idealizada, omnipotente forjada a partir de uma posição egocêntrica, identificada a um herói, caracterizado pela sua independência, orgulho e ascendência. O “outro” é aqui negado, na correlação da afirmação de si mesmo. O maçom ideal seria um homem completo e perfeito, destinado à idealização.
Por outro lado à semelhança do Ideal do Ego (ou Ideal do Eu) (8), o Ideal de Maçom seria definido como alguém em quem se processou a (tripla) convergência da sua auto-estima (amor-próprio) com as qualidades das pessoas significativas da vida relacional e com os ideais colectivos. A auto-observação e a crítica exercida pelos outros limitam e adequam os sentimentos de grandeza, possibilitam a apreciação das realizações afectivas, a constituição do grupo humano e a emergência da consciência moral. Configura um modelo de pessoa em progressiva construção, mais a partir dos elementos que unem (ou simbólicos) que daqueles que separam (ou diabólicos), ou seja, mais a partir do que é amado, do que daquilo que é temido.
Se atendermos às considerações de Bion a propósito do funcionamento dos grupos, pode ser controversa a ideia do benefício da existência de um perfil do maçom: o grupo precisa de preservar a sua coerência e identidade e os esforços para consegui-lo manifestam-se em leis, convenções, cultura e linguagem. Mas o grupo precisa também do individuo excepcional, precisa de provisionar um suprimento de indivíduos excepcionais. Diz Bion que isto seria simples se os indivíduos excepcionais se apresentassem em termos não-excepcionais; e se a natureza do seu impacto no grupo, nas suas leis e convenções, fosse julgada como vivificante (ou o inverso). Contudo, a possibilidade de fazer tal discriminação é duvidosa; passam-se séculos e ainda se pode discutir se um individuo desse tipo exerce um efeito benéfico ou deletério; e o mesmo se passa para as ideias. Por outro lado os grupos são hostis ou amistosos, favoráveis ou reticentes ao desenvolvimento de nova ideia ou pessoa. Newton terá sido um notável exemplo desse tipo de pessoa; as suas preocupações místicas e religiosas têm sido consideradas aberrações, quando provavelmente deviam ser consideradas a matriz de onde evoluíram as suas formulações matemáticas (4).
Por fim, colocamos em evidência elementos caracteriais ou de comportamento, que nos parecem comprometer ou inviabilizar uma conduta compatível com os valores maçónicos, que contudo são frequentes na população em geral, independentemente do nível de instrução ou classe social (e nem sempre facilmente identificáveis). A perversão moral e o falso-self.
Perversão moral
Alberto Eiguer refere-se ao “Carácter” como a disposição original dos indivíduos que os conduz a reagir de forma particular nas diferentes situações da existência. As patologias do carácter têm em comum, a imobilidade, a rigidez e a recusa da mudança. Ao contrário do sintoma a perturbação de carácter não provoca mal-estar. O carácter perverso exprime-se designadamente ao nível relacional, em que a afirmação de si, neste caso, se encontra desviada dos seus objectivos (6).
O termo “levar a melhor sobre alguém” (ainda que isso cause prejuízo) é frequentemente associado à perversidade, em que está subjacente um sentimento de inferioridade implícito e que atormenta o sujeito (10).
O Perverso moral é perturbado em múltiplos aspectos da sua vida psíquica, quer relacional, quer afectiva quer mesmo intelectual; caracteriza-se pela ausência de sentido moral, pela aptidão para as relações sociais (que ajuda à manipulação), pela tendência e facilidade em mascarar as suas intenções. Embora muitas vezes calculistas e aparentemente frios, a sua consciência não está livre de tormentos e é precisamente para destes se libertarem, que se entregam a excessos. Daí que as suas proezas proporcionem intensa satisfação, por vezes com sentimento de triunfo que pode chegar ao jubilo e à exaltação. Outro traço característico da perversidade moral é a capacidade de argumentar, de encontrar uma boa razão para justificar os seus delitos (6).
Do ponto de vista social e político, parece-nos importante realçar o “cinismo” como característica de certa perversão moral, tão frequente nos grupos e nas instituições. O cinismo alimenta a linguagem de muitos perversos que nela encontram argumentos para justificar as suas acções, sendo com frequência extremamente convincentes. O cinismo liga-se essencialmente à perversão, porque permite justificar as vantagens retiradas de situações ilícitas.
Do ponto de vista psicológico podemos entender o cínico como o individuo que despreza a moral estabelecida, apresenta uma retórica amplificadora do mal e anuncia desgraças (vem aí o diabo …). Por um lado Blasfema por outro, elogia os méritos próprios a sua superioridade e razão de ser. O cínico acredita que pode permitir-se tudo pois entende que “por mais que o ser humano se proponha atingir o ideal, a vileza domina-o” (é uma espécie de lema seu). Porquê aceitar restrições, submeter-se a proibições, quando se pode ter prazer fazendo batota? O cínico expõe ideias negativas: a alma humana nada encerra de nobre, o amor é apenas uma auto-sugestão, o futuro é incerto ou mesmo catastrófico, etc. Cáustico e sarcástico, justifica a sua estratégia egocêntrica de procura de prazer ou vantagens como bem absoluto. A imagem corrente do cinismo em política é a do individuo que utiliza qualquer meio para atingir os seus fins. Mas, sendo estas pessoas a priori seres irritantes, gozadores e pouco simpáticos, como explicar a presença do cinismo em projectos gerais de alguns lideres e políticos e suas actuações? Na realidade, o cínico é mestre na arte de fazer crer regularmente ao povo que foi demasiado mimado e que a partir de agora tem de aceitar restrições: (“piegas” dizia recentemente um 1º ministro e “ai aguenta, aguenta”, um conhecido banqueiro), a propósito de queixas e protestos dos cidadãos face a medidas tomadas em situação da recente e grave crise económica e social; “Mais vale mentir ao povo do que fazê-lo sofrer uma desilusão” – é a mentira piedosa do paternalismo perverso.“Uma ideia não tem culpa, se o povo acredita nela” dizia Don Marquis. Também já Platão referia que “o Estado perfeito” não podia dispensar a mentira, a falsidade e a hipocrisia. O limite e o insucesso do pensamento cínico surge quando transborda em violência (aspecto que muitos políticos tentam a todo o custo controlar, p. ex. no seu discurso). Contudo, para Maquiavel (em O Príncipe), os resultados obtidos legitimam os meios; e ainda que se deva começar pelos mais “diplomáticos”, perante a sua ineficácia, a violência torna-se autorizada (6).
Racamier definiu o perverso (autocentrado) como aquele que “se faz valer à custa dos outros”; ávidos de veneração, estes indivíduos procuram junto dos outros um “alimento” que os reconforte no seu amor-próprio, manipulam e absorvem/sugam as qualidades do outro, ao mesmo tempo que depositam nele um sentimento insuportável. Contudo, curiosa e paradoxalmente, o “outro” também tira partido da situação, daí que seja “cúmplice”. Admira no perverso que este jamais se sinta culpado de nada, crê que o perverso tem um dom especial que o torna invulnerável (como ele próprio gostaria de ser). Naturalmente que ambos fogem de um mal-estar, de um sofrimento mais profundo.
É aqui que os atributos e ação do maçom podem interferir, quer pelo conhecimento de si próprio (aspecto preventivo) quer pela clarificação emancipadora dos outros, desmontando os mecanismos comunicacionais e de manipulação (com recurso à simulação e dissimulação) (2) que se escondem por trás de manobras de sedução e cosmética publicitária, habilmente orquestrada nos bastidores da visibilidade, muitas vezes por técnicos altamente qualificados neste tipo de funções (veja-se o papel dos conselheiros eleitorais, estrategas de campanhas, opinion makers, etc.)
Falso Self
Uma outra entidade que não pode intoxicar o perfil do maçom, é a noção de Falso-self (ou Falso-Eu), característica de personalidades designadas também “como se”. Verifica-se então um comportamento social de fachada, volúvel e inautêntico; o pensamento é superficial e as opiniões seguem as ideias dos outros, procurando seduzir com os temas em voga. Há uma máscara de conformismo social e mesmo uma “hipernormalidade” com dedicação e generosidade, no desejo de captar a aceitação dos outros, mas sempre em detrimento do seu verdadeiro-self, núcleo mais vital e genuíno, que o próprio muitas vezes desconhece (6). Também esta é uma modalidade que contrasta com o movimento de autoconhecimento, pro-actividade e livre-pensamento que o maçom deve possuir.
Estes atributos não só não concorrem como comprometem ou inviabilizam a noção de “construção” que significa e caracteriza a Maçonaria, no sentido em que António Arnaut refere: “O maçon constrói o seu futuro tornando-se um homem melhor”, construindo assim o futuro da Humanidade tornando-a mais justa e perfeita (1).
Síntese, em jeito de questionamento:
Que perfil permite pensar e agir de modo consequente e equilibrado, no mundo contemporâneo, pós-moderno, tão bem caracterizado por Zigmunt Bauman (3) e Gilles Lipovetsky (9): um mundo dominado pelo efémero e despido de afecto, em que a ética do dever deu lugar à ética do prazer, de relações e instituições líquidas, de pais ausentes e filhos distantes, um mundo hipertecnológico, veloz, excessivo, desregulamentado e narcísico? Que perfil permite criar instrumentos de compreensão e processos de construção, através das ciências e das artes, para elaborar a realidade complexa na procura de uma sociedade mais justa e equitativa?
Cremos que o pensamento maçónico, com a sua capacidade de observar, analisar e construir, é um elemento privilegiado, e quem sabe indispensável, para dar resposta aos desafios que se colocam.
Deve então o maçom ter um perfil? Pelo exposto diríamos «Sim! Mas …»: por um lado “Sim”, porque é fundamental a existência de um conjunto de comportamentos e atitudes sintonizados com os valores da Maçonaria; por outro “Mas”, porque ser maçom não se reduz a um conjunto de actos de conduta bem-intencionados, observáveis do exterior, exigindo ainda a consciência da presença interna dos valores maçónicos, sendo esta o garante de uma correspondência genuína entre o mundo interno e o mundo externo, bem como de uma harmoniosa relação entre o sagrado e o profano.
Importa assim investir no Ideal de Maçom (e não no Maçom Ideal), que se apresenta como um exemplo discreto e genuíno (como tem realçado o Ir:. Pires Jorge) e que deixa em aberto o interminável processo de construção do seu Templo Interior, de construção de uma identidade desejada e desejável, em sintonia com os nobres valores da Maçonaria.
O fantasma da acomodação ameaça a N:.A:.O:. e tememos que o desinvestimento, a travestização e a customização individual e de conveniência dos valores maçónicos, que observamos no mundo, descaracterizem e maculem uma tão nobre e invulgar constelação de livres-pensadores. Daremos convictamente, na companhia de ilustres e queridos irmãos, o nosso modesto contributo para que tal não aconteça.
Orlando Ribeiro, M:.M:.
Referencias Bibliográficas
(1) Arnaut, A. (2006) – Introdução à Maçonaria, (5ª edição). Coimbra: Coimbra Editora.
(2) Baudrillard, J. (1991) – Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio D´Água.
(3) Bauman, Z. (2006) – Amor Líquido. Lisboa: Relógio D´Água.
(4) Bion, W. R. (2007) – Atenção e Interpretação. Rio de Janeiro: Imago.
(5) Castellani, J. (2007) – A Acção Secreta da Maçonaria na Política Mundial, 2ª Ed. Rev. São Paulo: Landmark.
(6) Eiguer, A. (1999) – Pequeno Tratado das Perversões Morais. Lisboa: Climepsi.
(7) Grinberg, L. & Grinberg, R. (1998) – Identidade e Mudança. Lisboa: Climepsi.
(8) Laplache, J. & Pontalis, J. B. (1990) – Vocabulário da Psicanálise (7ª Edição). Lisboa: Editorial Presença.
(9) Lipovetsky, G. (1994) – O Crepúsculo do Dever. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
(10) McWilliams, N. (2005) – Diagnóstico Psicanalítico. Lisboa: Climepsi.
(11) Ortega y Gasset, J. (1989) – Sobre a Caça e os Touros. Lisboa: Edições Cotovia.
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