
Assim, e sabendo nós que uma Loja designa uma comunidade de francos-maçons que se reúnem à volta do Templo numa perspectiva simbólica, podemos começar, usando a analogia como procedimento essencial do pensamento simbólico, por imaginar que o ser humano é um microcosmos e o universo o macrocosmos representando o Templo a intimidade entre estes dois opostos, ou seja, comecemos por tentar racionalizar e compreender a obra humana (nas vertentes racional, imaginativa e intuitiva) para a situar no universo. Esta relação entre sonho e realidade é feita decifrando os símbolos de modo a proporcionar a verdadeira libertação da dicotomia objectividade/subjectividade.
Para que se …reúna o que está esparso…,é necessário que esta vida comunitária, aqui expressa na Loja/Templo, tenha regras surgindo assim a funcionalidade bem visível nos Ofícios e Oficiais que a compõem. É desta funcionalidade e suas implicações que vos quero falar.
Convém recordar que as viagens são um dos princípios essenciais do ensino iniciático e se as cito é para remarcar que nenhuma pessoa deve permanecer numa função durante demasiado tempo para se não correr o risco de esquecermos as três facetas de uma função: fazer, proteger e ensinar. As funções de uma vida comunitária foram-se buscar às das sociedades humanas, tanto no plano material como espiritual com a particularidade de, na F-M serem fraternas, quer dizer, sem primazia de nenhuma delas sendo todas importantes, como na construção de um edifício em que uma pedra sustenta a outra sem nenhuma delas, isoladamente, ser superior à outra. É claro que há uma hierarquia, nunca no sentido profano em que as diferenças geram conflitos. Aqui, o V.’.M.’. cessante passa a G.’.Int.’. numa demonstração de grande humildade e igualdade, ou seja, cada um cumpre o seu papel numa ordem programada e útil ao funcionamento onde a cada um dos Oficiais cabe uma função específica que se for correctamente cumprida toda a Loja fica beneficiada.
Independentemente dos Ritos (em que o número de Oficiais varia consideravelmente) há em todos uma tríade fundamental: V.’.M.’.,1º e 2º VVig.’. (as chamadas Luzes da Loja) e uma grande variabilidade nas restantes funções podendo ir desde os dez Ofícios no R.’.E.’.A.’.A.’. e Francês aos oito nos de Menphis-Misrain ou ainda como nos Ritos anglo-saxónicos (Emulação e York) que tem 8 obrigatórios e sete não obrigatórios. Quanto à denominação dos Ofícios a mesma variabilidade se mantém (por exemplo nos ritos anglo-saxónicos não há Ir.’. Orad.’.) mas o que interessa saber é que todos os Rituais são discutíveis por serem baseados em rituais mais antigos que foram sendo descontextualizados e adaptados às realidades do espaço e tempo de cada época. Remarco que as diferenças entre eles são apenas superficiais mas o ensino é o mesmo, ou seja, aprender a separar o trigo do joio que é captar a unidade fundamental do espírito humano para se abrirem as portas do saber e do progresso, e isto sem prepotências (um conjunto de Lojas constitui uma Obediência e não uma Potência), quer espirituais quer materiais.
Uma palavra para vos recordar alguns documentos mais antigos sobre a organização das Lojas, um data de 1630/50 nominado Edimburg Register e que cita o V.’.M.’., os VVig.’. e os Stewards e o outro data de 1735 do Colégio de França em que só cita o Venerável e os Vigilantes.
Quanto à nomeação e qualificação dos Oficiais começarei por dizer que durante a história da F-M elas foram feitas, primeiro por nomeação directa, depois por cooptação (ainda existe em alguns Ritos) e finalmente eleitos devendo estes ser instalados e depois substituídos por novas eleições. Há normas universais que norteiam a qualificação sendo a primeira que tem que ser M.’.M.’., sendo a segunda a incompatibilidade entre a função de Venerável e outra qualquer e a última é a de nenhum Oficial poder ser vitalício.

No que diz respeito à localização dos Oficiais a variabilidade permanece nos diferentes Ritos desde as referências aos Séphiroths da cabala, às particularidades do cristianismo e sem esquecer as da ciência astronómica, porém, existem pontos comuns como o V.’.M,’ se sentar sempre no centro do Oriente. Os vigilantes trocam de posição nos vários Ritos assim com o dos restantes cargos. O que é certo e sabido é que cada um dos ritos fornece uma simbologia como base para a colocação dos Oficiais, e desde o estritamente solar dos Ritos anglo-saxónicos às do desenho da árvore sefirótica e da correspondência com metais e ferramentas, há particularidades que vale a pena referir por serem clássicas, a saber: o Venerável está associado a uma coroa e ao Sol Nascente; os Vigilantes à força e beleza, o Orador à sabedoria; o Secretário à inteligência; os que seguem a via planetária ligam o Venerável a Júpiter, o Secretário à Lua, o Orador ao Sol, o 1º vigilante a Marte e o 2º a Mercúrio levando a interpretações, tais como, o Venerável ser o alquimista que transmuta em amor fraternal os vícios e as paixões iluminando as trevas e tanto estimula como acalma (activo e passivo), ou seja e citando D. Béresniak…um M.’.M.’. espera o anúncio de ser Venerável com temor mas assume o cargo com alegria…ou que os Vigilantes estão associados às duas Colunas orientando os Obreiros nelas sentados, ajudando o V.’.M.’. a abrir e encerrar os Trabalhos e sendo responsáveis pela formação; Enfim, toda uma série de rótulos e práticas que apenas têm como missão proporcionar o aprofundamento do espírito libertando dogmas e vícios para que a viagem iniciática seja feita sem sobressaltos. Não é demais recordar que a Loja é a única estrutura abalizada para o ensino iniciático (a Obediência é apenas uma federação de Lojas com vocação administrativa) sendo livre e soberana (foi-lhe passada uma patente para a prática do Rito) para construir e ensinar.

Dos restantes Ofícios e Oficiais pouco vos vou falar (por não ser o propósito deste traçado e por haver milhares de páginas escritas disponíveis sobre o assunto) mas não se pode esquecer as missões do Orad.’. responsável pela correcta execução da Lei, do Sec.’. como a memória da Loja em que usa o espírito da geometria (pesa, estima, calibra e mede os pensamentos dos IIr.’.) para registar o que bom e belo aconteceu. Também o Exp.’. que é responsável pelo cumprimento dos aspectos ritualísticos dos Trabalhos, o M.’.CCeri.’. que por excelência conduz e orienta os movimentos e deslocações da Loja e do Hosp.’. que visa a solidariedade. Uma referência ao Arqui.’. e M.’.Harm.’. pois sabemos que, e cito mais uma vez D. Béresniak…a escrita e a leitura são formas superiores de comunicação por não estarem submetidas à necessidade da aproximação visto transcenderem o espaço e tempo e assim multiplicarem os intercâmbios de todas as ordens e naturezas. O mesmo com a música que é portadora de uma mensagem que escapa à análise racional porque se expressa numa linguagem à margem do pensamento conceptual, ou seja, que fala directamente ao coração sem auxílio das palavras…
Num breve resumo saliento que todos são importantes no papel de fazer cumprir a viagem iniciática e que todos devem ser activos para que seja útil a vivência do grupo.
Finalmente, vou abordar alguns aspectos referentes à utilização dos chamados Livros Sagrados (Torah e Bíblia) no simbolismo funcional e no seu bom uso pelas lojas. Foi a partir do Séc. XVIII que a F-M se debruçou por aquilo que poderemos definir como as origens da vida sob os pontos de vista exotérico e religioso. É irrefutável que, bem e mal, a chamada Kabaláh (substantivação do verbo lekabel que significa receber), não só associou a via mística à gnose como também influenciou todos os pensadores desde a Idade Média (Abner de Burgos e os Rosas-Cruzes), do Renascimento (Pico della Mirandola e os Reformistas) e chegando mesmo aos Séc. XIX e XX (Wirth, Boucher, Guénon) que acabaram por a relacionar com a F-M dita especulativa.
Pensa-se que o conjunto de escritos e de relatos orais da cabala foram pela primeira vez compilados por Moisés de Leon no séc. XIV após consulta de fontes que remontam aos egípcios e persas. No início, o pensamento cabalístico ajustava-se á tradição hermética recusando confundir deus com o universo por aquele estar acima deste. Mais tarde os neo-platonistas introduziram novos aspectos dando origem a duas cabalas que foram a cristã e a judaica. A primeira, no Séc. XIII, sofreu um grande crescimento com os judeus convertidos ao cristianismo e mais tarde outro surto de crescimento com a academia platónica fundada pelos Médicis em Florença que se esforçou por introduzir, não só o ensino pitagórico mas também a preocupação mágica em que visavam aumentar os poderes do individuo tornando-se esta preocupação uma ponto crucial pois esta substituição do poder pelo conhecimento condicionou toda a cristandade futura. Em relação à cabala judaica, de tão complexa e imaginativa, não poderá ser abordada profundamente mas é importante referir que tomou um percurso muito diferente da cristã e que os F-M procuraram nela alguns aspectos que justificassem a chamada parte invisível da existência. Assim, entre outras coisas, relacionaram o Templo maçónico (que representa o cosmos) e a árvore sefirótica (o mundo invisível). Infelizmente tentaram simplificar a noção dos Séfiroth (atribuindo aos Ofícios e Oficiais da loja cada uma das dez partes que a compõem) resultando nalguma incoerência tal desidrato, pois na tentativa de justificar a ortodoxia exotérica desnaturalizaram a transmissão do conhecimento que lhes é inerente. Concluindo, direi que tem que se ser reservado e atento e só com prudência e muito estudo reflexivo se poderá abordar o assunto da cabalas não esquecendo que o simbolismo e cito Béresniak…é igual a uma linguagem que pode estimular e despertar mas também embrutecer…
Termino este traçado salientando que aqui, em Loja, devemos trabalhar maçonicamente, ou seja, com ordem e regras que os Ritos e Símbolos nos transmitem para que o homem velho esmoreça renascendo um homem novo com um nível de consciência mais elevado. Para isto, é necessário enriquecer o espírito e apurar a matéria como opostos que se complementam. Quando a um Oficial se atribui, simbolicamente, um planeta, ferramenta ou coroa invisível está-se a …reunir o que está esparso… criando uma energia que, longe de ser puramente administrativa, tem um significado para além da evidência e transcendência.
Diógenes de Sínope M.’.M.’.
Bibliographia
-Jules Boucher – “La Symbolique Maçonnique”
-Marie Delclos, Jean-Luc Caradeau – « Les Symboles Maçonniques Éclairés par Leurs Sources Anciennes »
-Daniel Béresniak – « Los Oficios e Los Oficiales de la Loja », Ediciones Detard 1992
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