Ao longo de mais de trinta anos tenho-me deparado com as incongruências da história contadas pelos homens de várias gerações. Enquanto aprendiz de historiador, nos anos que passei pela Faculdade de Letras de Lisboa, memorizei datas coligidas e determinadas pelos historiadores de várias épocas, sem que me fosse dado o direito de as discutir, ou de até mesmo de as verificar.
Partindo de fronteiras temporais diferentes, com tendências políticas que forjaram as datações e ocultaram displicentemente os factos, aqueles historiadores e cronistas destruíram evidências, para que os acontecimentos se encaixassem num lógica cronológica de um tempo exageradamente religioso e político. Uma história quadrada, certinha, arranjadinha, segundo a ordem de um mundo dado à partida, não pelo universo, não como expressão de um Grande Arquitecto, mas de um artífice disforme com a aparência de um ogre, traidor até à medula, do qual descendem os historiadores e os políticos que nos avassalaram a liberdade no séc. XX e que arruinaram o Ocidente durante pouco mais de um século.
É certo que o homem faz a história, fabrica documentos e artefactos, mas igualmente os distorce perversamente, com intenções que muitas vezes contradizem o rumo da história, tentando apagar um passado que não corresponde à realidade vivida pela humanidade. É neste sentido que o passado igualmente se revela como uma fractal, não apenas o presente e o futuro. Sim, a deliberada acção dos cronistas e historiadores comprometidos com as instituições religiosas e políticas, sempre expressaram a futilidade de abdicar da ética e da deontologia, a troco de sestércios e dobrões de ouro; Hipátia foi vítima desta corja de falseadores, que construíram os Estados ditadura e um dos sistemas religiosos mais perversos da história da humanidade corrente, o cristianismo ocidental.
Este imitadores da História, copistas que passavam os invernos curvados sobre oscritorium, que se embebedavam na medida em que o frio descia, produziram crónicas e recriaram mitos, a partir de um exemplo manifestamente escorreito e “certo”, “arranjado”, “lógico”.
Reparem meus Irmãos. Não foi apenas os sistema administrativo, as estradas (as famosas vias), os princípios da medicina, as traduções latinas dos filósofos gregos, dos escritores do Latio e os princípios da arquitectura (Vitrúvio p.ex.), que sobreviveram à queda do Império Romano. As crónicas e as histórias produzidas pelos historiadores e escritores da Roma Imperial, sobreviveram igualmente, imprimindo um estilo, uma metodologia e um método de fazer cronologia. A cronologia do Império Romano continuou a ser reproduzida na Idade Média e foi reforçada no Renascimento. Devemos, portanto, ter em conta, que se o cristianismo ocidental (Igreja Católica Apostólica Romana) sobreviveu, o deve ao sistema romano, dele recebendo a forma de escrever crónicas e histórias; foi com este modelo que os primeiros cronistas iniciaram a História do Cristianismo, seguindo como exemplo as histórias e os relatórios das províncias romanas, que no seu interesse eram justamente as do Reino de Jerusalém.
Mas o que tudo isto tem de interessante para a nossa Augusta Ordem, a ponto de merecer uma prancha que vos obrigará, por ventura, a adormecerem?
A Maçonaria, seja qual for a Obediência, assenta nos seus próprios mitos. E estes têm uma razão de ser. O mito iniciático é fundador, é simbólico, é pedagógico e deve ser descodificado, “mas é, por excelência, um rito secreto. Se conhecemos algo sobre as iniciações das sociedades primitivas, é porque os Brancos conseguiram fazer-se iniciar ou porque os indígenas nos reportaram certas informações. Ainda estaremos longe de conhecer as dimensões profundas das iniciações primitivas. O que dizer então dos ritos de Elêusis ou dos Mistérios greco-orientais? Sobre as cerimónias secretas, quase não dispomos de testemunho directo. Em geral, sobre as iniciações na Antiguidade, a nossa informação é fragmentária e em segunda mão; chega a ser francamente tendenciosa quando as informações nos são transmitidas por autores cristãos. Se, no entanto, pudemos falar de iniciação na Antiguidade é justamente porque pensámos poder reconstituir certos cenários iniciáticos; em última instância, porque já se conhecia o fenómeno da iniciação, tal como tinha sido entendido em certos momentos da história do cristianismo.
Do ponto de vista metódico, a reconstituição de um cenário iniciático com base em alguns documentos fragmentários e com a ajuda de comparações engenhosas é um procedimento perfeitamente válido.”[1]
A distorção premeditada feita pelos cronistas cristãos, sobre as iniciações da Antiguidade mediterrânica e oriental, não tiveram fim. Lembremo-nos das mentiras perpetradas por Léo Taxil e Sergey Nilus durante o séc. XX, que custaram a vida a milhares de Maçons.[2]
Se a estas distorções histórias juntarmos a queima de livros e documentos, assim como as falsas cronologias, teremos mais do que mitos, quimeras. E este fenómeno, seguramente, também se encontra entre nós enraizado, na nossa tradição, não por razões levianas ou por perversidade, mas porque temporalmente os mitos tendem a mudar quando a humanidade muda, quando os quadros históricos fundadores mudam. Porque a Maçonaria se adapta à sociedade civil e religiosa das Nações. Mas será que sempre foi assim?
A construção do Templo de Salomão, como ponto de partida para a construção simbólica da Maçonaria, é o exemplo deste fenómeno. A sua data é uma invenção. Mas vejamos rapidamente como a Falsificação Global da História, da nossa história ocidental europeia teve início, para compreendermos como ela se infiltrou na Maçonaria Especulativa do séc. XVIII.
Se não invocarmos as várias datas da criação do mundo entre a tradição cristã grego-latina, que partiram do cálculo das genealogias bíblicas, datas que se estenderam entre 5500-4000 a.C., teremos as datas da tradição antiga judaica; a primeira dada por Seder Olam Zutta, 4339 a.C., e a segunda por Joseph ben Halafta, 3761 a.C. Houve também os cristãos medievais que seguiram a Bíblia Septuaginta e se basearam nela para estabelecer as novas cronologias:
Clemente de Alexandria (5592 a.C.); Teófilo de Antióquia (5529 a.C.); Júlio Africano Sexto (5501 a.C.); Hipólito de Roma (5500 a.C.); Gregório de Tours (5500 a.C.); Panodoro de Alexandria (5493 a.C.); Máximo o Confessor (5493 a.C.); George Syncellus (5492 a.C.); Sulpicius Severus (5469 a.C.); Isidoro de Sevilha (5336 a.C.); calendário de Bizâncio (1 de Setembro de 5509 a.C.); Eusébio (5228 a.C.); Jerónimo (5199 a.C.).
Até este período, as datas arcaicas tiradas da historiografia romana baseavam-se nas “quatro idades do mundo” (uma reminiscência da mitologia grega), e estas já não serviam para o mundo cristão ocidental, nem para uma nova cronologia para as casas reais que se pretendiam justificar e entroncar nas genealogias bíblicas — os acertos tinham de parecer “certinhos”, “direitinhos”, “quadrados”...
Só a partir do séc. VII d.C. é que a tradição da Septuaginta começou a ser posta em causa, porque os cálculos já não batiam certos dentro da lógica bíblica e da nova visão cristã europeia. Para a justificação das casas reais europeias (euroasiáticas) não poderiam aparecer hiatos, zonas em branco, e estas, sempre que surgiram foram preenchidas à força e afeiçoadas maravilhosamente pelos cronistas tintos de inverno, inventando nomes, repetindo reinados, acrescentando anos a reis e reinos. Outros menos sedentos tentaram de facto corrigir, mas mesmo assim não saíram da sua zona de conforto. O monge inglês Bede (673-735) apresentou então a data de 18 de Março de 3952, para o novo começo do mundo, logo acusado pelo bispo Wilfrid de heresia, que corrigiu o referido começo do mundo para 5500 a.C., provavelmente porque com a nova proposta ficavam de fora algumas linhagens anglo-saxónicas que disputavam a coroa de Inglaterra com a casa da Escócia.
Enquanto os dois partidos cristãos das cronologias bíblicas se debatiam, uns mais heréticos do que os outros, foram publicados os Textos Masoréticos (em hebraico e aramaico) da Bíblia hebraica. A partir desta altura, tornou-se possível às comunidades cristãs e judaicas aceder aos textos originais e rectificarem a data da criação do mundo, mesmo assim, com muitas discussões aritméticas que oscilaram de 4000 a 3616 a.C. Entre esta academia de biblistas ficou finalmente aceite a data de 4004 a.C., estabelecida pelo Arcebispo James Ussher (1581-1656), principalmente porque esta data tinha ficado associada à King James Bible (version), como não podia deixar de ser.
É, portanto, a partir da publicação dos Textos Masoréticos que as comunidades judaicas estabelecem a criação do mundo computada em 4000 a.C., que para a Maçonaria é tida como o ano I da “Verdadeira Luz”, apesar de em Portugal parece nunca ter sido introduzida, e do calendário maçónico seguido ser o lunar judaico[3].
Mas o assunto que nos interessa particularmente, é sobre a Falsificação Global da História, ao nível das cronologias e dos seus acertos, de como as datas nos afectam particularmente na tradição maçónica, desde a suposta “Construção do Templo de Salomão”, e não sobre a religião judaica ou o cristianismo (e também aqui os erros cronológicos, pelos menos, são claramente evidentes).
Este fenómeno sociológico, filosófico e iniciático é recorrente na história das civilizações, e a aceitação do calendário masorético pela tradição maçónica é equivalente (em maior escala), à criação do calendário positivista de Augusto Comte (1798-1857) na sua nova “Religião da Humanidade”.
Enquanto somos testemunhas do tempo, os calendários e o computo diacrónico são tão verdadeiros quanto severa for a verificação por parte dos cidadãos e dos instrumentos mecânicos da contagem do tempo. O problema reside no tempo pretérito, quando escasseiam as fontes, mas para isso, temos hoje a ciência como retificadora da história, dos artefactos e dos documentos.
Até chegarmos à era da datação por Luminescência Opticamente Estimulada, Dendrocronologia, Termoluminescência, Aminoácido e Reidroxilação (datações que podem interessar no contexto aqui exposto), as datas geralmente aceites para a vida hodierna da civilização dita Ocidental, compreendiam-se entre as propostas pela nova arqueologia e antropologia (na tradição darwiniana) por um lado, e as datas do calendário masorético e do suposto nascimento de Jesus Cristo (que como sabemos, não é real) por outro.
Apesar da aparente tranquilidade e acordo entre Cristãos e Judeus para as datações do mundo, houve discordâncias, abafadas ferozmente pelo stablishment das academias europeias e pela instituição vaticana. Este novo Criticismo Histórico pode ser dividido em cinco fases:
1ª Fase - Joseph Justus Scaliger (1540-1609); séc. De Arcilla (séc. XVI); Isaac Newton (1643-1727); Jean Hardouin (1646-1729); Peter Nikiforovich Krekshin (1684-1763); Robert Baldauf (séc. XIX-XX); Edwin Johnson (1842-1901); Nikolai Alexandrovich Morozov (1854-1946); Wihelm Kammeyer (...-1959); Immanuel Velikovsky (1895-1979).
2ª Fase – Desenvolvida essencialmente por Nikolai Alexandrovich Morozov (1854-1946) durante toda a primeira metade do séc. XX.
3ª Fase – Ocorrida entre 1945-1973, quando todo o trabalho de Morozov é deliberadamente silenciada pelo academismo russo e ocidental, sucedendo o mesmo com Immanuel Velikovsky.
4ª Fase – Desenvolvida entre 1973-1980 por A. T. Fomenko, membro da do Departamento de Matemática e Mecânica da Universidade Estatal de Moscovo. Deparando com o problema do eclipse solar exposto pelo astrofísico americano Robert Newton, que descreve um estranho salto na aceleração lunar, chamado “parâmetro D” por volta do séc. X d. C., e tomando conhecimento da obra de Morozov, Fomenko começa a tentar corrigir as cronologias de Scaligeri, a partir de estatísticas matemáticas, assim como todas as cronologias baseadas em vários documentos de crónicas antigas. Fomenko chegou a descobrir assim, através deste método matemático e estatístico, três saltos cronológicos importantes que causaram erros em numerosas datas na história do ocidente, saltos estes de 333, 1053 e 1800 anos respectivamente.
5ª fase – Publicação do exaustivo trabalho de Fomenko entre 1980-1990.
Desta grande última grande revolução científica trazida à luz pelo Criticismo Histórico, emerge a clara constatação de que a maior parte das crónicas medievais sobre o período clássico, sobre a história de Israel, sobre as casas reais europeias e russas e sobre a própria Bíblia, foram forjadas durante a Idade Média.
Do que acima vos expus, tentando resumir o que Fomenko escreve em sete grossos volumes, retiro apenas o que interessa sobre a cronologia da construção do Templo de Salomão e das sobreposições cronísticas que foram feitas na Idade Média, para enaltecer o passado romano e as casas reais europeias. Como exemplos, refira-se que na Bíblia, Salomão é o único rei cujo nome está associado à construção da Casa do Senhor, ou o Templo de Salomão (1 Reis 6:1) e que a imagem em espelho criada na Idade Média apresenta Justiniano I reconstruindo ou erigindo o famoso templo de Hagia Sophia na Nova Roma, que é o único fenómeno na história de Roma. De facto há um templo menor perto de Hagia Sophia chamado Hagia Sophia Minor, e portanto há duas possibilidades de resposta para a questão sobre qual dos templos Justiniano construiu. A Nova Roma é comparada muitas vezes à Nova Jerusalém, assim como Salomão a Justiniano.
E finalmente, se referirmos que a data do nascimento de Jesus a partir do avistamento da Estrela de Bethlehem (Belém), que data do primeiro século, está relacionada de facto com a explosão de uma supernova no ano de 1054 (que na realidade ocorreu c. 1150), como aliás foi assinalado por Scaligeri, por Kepler e por Tycho Brahe (Supernova Cristã), teremos que o nascimento de Jesus Cristo ocorreu então em 1150 e que a Estrela dos Magos não é outra se não a explosão desta supernova.
O Templo de Salomão, se existiu de facto em Jerusalém, será muito mais recente, e pode até mesmo ser apenas uma referência ao templo Hagia Sophia (Nova Roma/Nova Jerusalém), começado a construir em 537 e terminado em 1453. Ora, a tradição judaica marca a construção do templo no ano 587 a.C., porém se tomarmos em conta as correcções temporais feitas a partir do estranho salto na aceleração lunar, chamado “parâmetro D”, mais a famosa explosão da supernova apelidada pelos astrónomos cristãos de “Supernova Cristã”, a construção do Tempo de Salomão (na versão israelita) seria 663 d.C., e na versão romana oriental seria 1387. Jesus Cristo (Andronicus), como demonstra Fomenko no seu outro livro “O Rei dos Eslavos”, viveu no séc. XII, pregou em Nova Roma e aí sofreu.
As novas cronologias propostas por Anatoly Fomenko, baseadas num método matemático e estatístico rigoroso, e em correcções astronómicas, podem sofrer do mesmo mal do silenciamento praticado pelo academismo russo e ocidental. Mas a obra está publicada e deve ser divulgada e discutida.
Para nós, maçons, talvez pouco importe a verdadeira data da construção do suposto Templo de Salomão, porque o templo somos nós mesmos. E se a partir das Guildas e da criação das primeiras lojas especulativas, foi adotado o calendário masorético e a tradição judaica, foi dentro na cultura abraâmica que surgiu esta esquadria, mas ela não é original, pois se sobrepôs a um conhecimento mais antigo, reconhecido nos templos egípcios e até anteriores a eles. O que dizer então, dos sinais maçónicos, das irmandades, da simbologia no templo, que ainda podemos encontrar na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático? Aí, onde a maçonaria europeia só chegou no séc. XVIII-XIX, dela as irmandades orientais não receberam contributo nenhum, porém mantém os mesmos sinais, a mesma disposição, a mesma hierarquia, o T:.A:.F:.. de onde veio esta tradição se não de um outro período anterior a esta humanidade em que vivemos hoje?
Roman.'. M.'.M.'.
[1] M. Eliade (2004). Ritos de Iniciação e Sociedades Secretas. Ésquilo Edições e Multimédia. Lisboa, p. 163.
[2] J. A. F. Benimeli (1995). Maçonaria X Satanismo. A Trolha. Londrina.
[3] A. H. Oliveira Marques (1986). Dicionário de Maçonaria Portuguesa. Editora Delta. Lisboa, p. 240.
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