Mas perguntemo-nos se durante a Alta Idade Média, os Maçons Operativos de facto se identificavam com os judeus errantes, que construíam as suas comunidades aqui e ali, ao sabor das rotas de comércio que ligavam o Mediterrâneo ao Cáucaso, aos Balcãs, à Península Itálica, à França e à Península Ibérica?
Meus QQ IIr, a história da Maçonaria Especulativa parece estar irrevogavelmente ligada à história do povo de Israel, como se a própria Maçonaria não tivesse outro passado que não fosse o semita. Mas a Maçonaria Operativa terá ela tido a mesma influência de raiz? Terá sido ela forjada no mesmo Mar de Bronze, onde o sol nascente inundava as planícies, os montes Golan e o Horebe na Palestina? É que construtores de catedrais e de palácios sempre houve, desde o período dos grandes impérios, do Médio Oriente à Ásia do Sul, da Ásia Central ao Sudeste Asiático. E entre estes não houve judeus. Pelo menos é assim que se pensa.
Como então explicar, que de uma tradição antes verdadeiramente universal se tenha passado a um fundamentalismo cultural e a um regionalismo étnico? Eis uma questão que não encontraremos respondida nos manuais maçónicos. Os mitos emergem do inconsciente quando a cultura se encontra identificada, quando a identidade dos povos se encontra unida pela língua. Os mitos são assim, a forma de continuidade de uma nação, que se encontra pronta a ser transferida pela emigração, pela guerra ou pela conquista, sem se alterarem, participando na unidade da língua, do imaginário e da cosmologia dos povos. Isto aconteceu com os judeus.
Quer a mera história como a arqueologia não revelaram até hoje um único indício de sinais maçónicos no actual espólio do Templo de Jerusalém (se é que este monumento tem alguma relação com o Templo de Salomão). Não foi encontrado um único sinal de pedreiro entre as comunidades judaicas do período clássico na Palestina, que estivesse ligado à cultura judaica, às sinagogas ou à simples construção. Este enigma adensa a interpretação do mito, tornando-o ainda mais maravilhoso e longe de toda a inteligibilidade.
Meus QQ IIr, confesso-vos que este mito torna-se-me a mim pouco plausível, como outro mais próximo que coloca o início da Maçonaria Especulativa no século XVII em Inglaterra; e ligá-lo ainda à intervenção de Elias Ashmole parece-me igualmente forçar as provas para as ajustar a uma obediência Anglo-saxónica. Ambos são mitos forjados pela história, pelos homens, pela força de culturas dominantes num determinado momento de afirmação nacional e de expansão; este processo, na mesma altura, passou-se com a Expansão Portuguesa no Oriente, momento em que a Inglaterra começou a assumir o domínio das rotas e do comércio. E digo isto para sublinhar a ideia de que não se pode escrever a história da Maçonaria fora do contexto social político e económico, como fora dos movimentos espirituais, porque a Maçonaria está na raiz de quase todos estes objectos do pensamento especulativo e prático.
Como então interpretar a influência directa do judaísmo (entenda-se aqui como religião e filosofia) na Maçonaria Especulativa a partir do século XVII, já que na Maçonaria Operativa da Alta Idade Média é muito duvidoso?
Este problema, que pertence muito mais ao âmbito da história e da epistemologia, do que de facto ao mito e à natureza iniciática, remete-nos para o momento imediatamente anterior à emergência do Cristianismo com o Imperador Constantino (272-337 d.C.). É que entre os pedreiros romanos (e romano era todo o cidadão do império), os sinais eram comuns, as pedras gravadas serviam (como nós sabemos) como prova do trabalho a ser remunerado. Portanto, Maçons Operativos haviam, pelo menos, em toda a extensão do Império Romano. É natural que encontremos hoje sobre o espólio da arquitectura romana estas marcas, desde a Península Ibéria aos Balcãs, de Marrocos à Palestina (romana, atenção!).
A tradição iniciática dos Maçons Operativos remonta a um tempo em que durante as longas noites do inverno glaciar de Würm, as comunidades de caçadores e de futuros construtores de dólmens e menhirs, marcavam a contagem do tempo sideral nas paredes das cavernas, nas peles dos animais que caçavam, nos ossos, nas pedras e tatuavam esse mesmo tempo como símbolos de poder e vitória, sobre a imensa escuridão do inverno glaciar com o regresso do sol.
Mas esta é apenas uma interpretação plausível. Há outra, porém, que nos remete para um tempo fora da história, anterior à nossa humanidade. O tempo de uma outra humanidade. Um outro mito de que Platão fala em nome de Solon e no qual os Egípcios acreditavam.
O problema do conflito e relação entre os judeus e a Maçonaria, entre judeus e sociedade, deve assim ser distinguido definitivamente entre o “antes” e o “depois”: antes de Constantino e depois da queda de Roma. É que a emergência do Cristianismo não foi uma decisão pacífica nem representou apenas um reconhecimento tácito das comunidades cristãs no espaço da península itálica e no Mediterrâneo. O Cristianismo não é homogéneo (tenta sê-lo na ética e na moral), porque nunca houve uma religião do império, mas um sincretismo — o catolicismo sincretizou-se a partir do sincretismo romano (céltico, persa, egípcio, etrusco, etc.). Esta foi a herança que a Igreja de Roma Católica e Apostólica recebeu (a cúria absorveu o senado e deu-lhe uma teologia). Como poderia então esta nova Roma renascida das cinzas, aceitar com igual valor os cidadãos judeus, que recentemente lhe tinham levantado as três guerras: durante Agripa II (66 d.C.); a guerra de Kitos (115-117 d.C.); e a Revolta de Bar Kokhba (132-136 d.C.)?
O conflito entre as comunidades judaicas e Roma instalou-se desde o início da expansão do império no Mediterrâneo e no Médio Oriente. Foi este conflito político e económico que a Europa pós-Constantino herdou, ao querer continuar aplicar uma Mundialização à economia judaica do Médio Oriente (hoje alargada à Globalização).
Digníssimos IIr, após a queda de Roma as vias romanas que ligavam as capitais das províncias e as cidades distritais, deixaram de ter manutenção. O corte das comunicações regulares provocou aquilo que muitos historiadores chamaram de “Idade Negra” (Alta Idade Média, 476-1000 d.C.). Para onde foram os Maçons Operativos do império? Estes, certamente não eram judeus, mas conheciam muito bem os ritos egípcio, fenício (púnico) e persa. Como e quando a tradição judaica entra tão “gongoricamente” na Maçonaria? Se no início a tradição rabínica não era Operativa, e ela só depois se introduziu como Especulativa, é então a partir do séc. XVII que a capa rabínico-filosófica assume a estrutura “sindical” da maçonaria Operativa, para se afirmar na sociedade burguesa de uma Europa em expansão. A maior parte das primeiras LL surge nas cidades onde vivem grandes comunidades judaicas abastadas (Amesterdão, Londres, Antuérpia, Veneza, Florença, Roma, Tessalónica, Atenas, Istambul, etc.), e é nestas que se dá a primeira fusão entre o comércio e as artes (incluindo a arte da guerra).
O judaísmo, não podendo viver livremente numa Roma imperial e numa Europa cristã apostólica e ortodoxa, procurou sobreviver através de uma estrutura construtiva da sociedade: a Maçonaria. Mas até que lá chegasse (levando aproximadamente seiscentos anos), teve de fazer o seu percurso de cultura marginal como comunidade de suporte económico e cultural à burguesia medieval emergente. Só depois, no séc. XVII é que a doutrina rabínica e a Cabála se introduzem no ritual maçónico ad vitam. Mas! E onde ficaram os maçons operativos?
Devemos compreender e elucidarmo-nos sobre a verdadeira fraternidade maçónica, que abriu as portas dos seus templos para acolher os judeus perseguidos. Isso de facto aconteceu, mas desconhecemos se essa aceitação começou durante o período da Maçonaria Operativa. Seja como for, a presença rabínica e cabalística na Maçonaria só aparece como estrutura a partir do séc. XVII.
Esta é uma das explicações plausíveis para a continuada quezília entre a sociedade profana e a Maçonaria. A Europa Romana Católica e Apostólica nunca perdoou que os seus Construtores abrissem a fraternidade aos judeus, e en revanche os judeus nunca aceitaram um Jesus omnipotente, filho de Deus.
Mas a história dos conflitos e da relação entre Judaísmo e Maçonaria, que poderíamos escrever muito ao jeito da “História da Vida Privada”, — creio que Georges Duby se tivesse lido a nossa prancha teria, pelo menos, o deleite de idealizar um VI volume para essa mesma História — não teve início na província romana da Palestina conflituosa, como não teve começo na integração dos judeus na Maçonaria europeia do séc. XVII.
Esta guerra é muito mais antiga, remontando ao período pré-clássico da Suméria, do Egipto, da Pérsia e da Índia (leia-se Bhárata).
Queridos IIr, por algumas vezes vos referi de forma leviana, mas como verdade factual, que antes da nossa Península Ibéria assim ser chamada, já outra bradava o mesmo nome a Oriente. Tão a Oriente que Noé não achou melhor sítio para poisar a sua arca se não nos montes da Arménia, em Ararat. Esta região designava-se Ibéria, e assim continuou a ser descrita e cartografada desde a sua formação geopolítica até ao séc. XIX! A nossa Ibéria, a dos celtas, dos lusitanos e dos serpes (o povo serpente que deu o topónimo a Serpa), só tirou o nome do primeiro quando os romanos deportaram os judeus (sefarditas) da Palestina para aqui. Este exílio forçado e profundamente dramático dos judeus para a terra de Sepharad (a “terra prometida”) teve um imenso impacto psicológico.
Se judeus houve antes dos judeus palestinos, deveríamos encontra-los na Arménia, na região montanhosa da Ibéria. E aí encontramos sim judeus, mas não semitas, antes indo-europeus. Antes mesmo destes judeus terem chegado à Palestina, já outro povo lá vivia e esse...bem, esse são hoje os palestinianos.
Esta resenha de factos que o tempo não permite aqui expor, com a minúcia que é exigida a um historiador, podeis vós imaginar, se a ela acrescentares o que se diz a meia voz nos corredores das academias: “a diferença entre Moisés e Akhenaton provavelmente é nenhuma”. Quer dizer, o mito construído sobre um Estado de Israel tem muito mais de sionista (e só a partir do séc. XIX e principalmente da segunda grande guerra) do que verdadeiro; o mito da Maçonaria dever ao judaísmo a sua fundação tem muito mais de sincretismo cultural e filosófico do que verdadeiro.
Antes dos judeus se terem convertido ao Judaísmo (seja lá o que isso significar), já a Maçonaria existia para a construção do mundo. E ela esteve presente desde a aurora da humanidade, sem judeus e sem cristãos.
Mais haverá para dizer, como podereis imaginar, mas o silêncio dirá tudo o mais que aqui não se diz.
1 Como se pode explicar o surgimento do cristianismo (quase simultaneamente) em todo o espaço do império romano?
2 Não esqueçamos que as judiarias eram guetos encravados nas cidades muralhadas, onde aos judeus era concedida a prática monetária (compra e venda de metais preciosos e câmbio), porque ao cristianismo católico era proibida. O “vil metal” era tão impuro como o pecado carnal.
3 História da Vida Privada. Do Império Romano ao Ano Mil; dir. Philippe Ariés e Georges Duby (1990). Vols- I-V. Edições Afrontamento. Lisboa.
4 Leia-se Schlomo Sand. The Invention of the Jewish People (2009). Verso Books. Website.
Roman M:.M:.
Outubro 2014
Vagabundo maçom?
ResponderEliminarPois se tiveras o pouco entendimento e honestidade poderia você mesmo se declarar filho de Caim e linhagem da serpente, o que significa uma casta de assassinos.
E isso mais compreensível...!