O futuro do trabalho num mundo de robôs e de inteligência artificial
Autor: Rogério Colaço
A questão central já não é se será, ou não, possível que todo o trabalho humano possa ser substituído por máquinas, mas se a existência da IA nos coloca perante uma utopia ou uma distopia.
O saudoso professor e filósofo Agostinho da Silva afirmava que “o homem não nasce para trabalhar, nasce para viver e para criar, para ser poeta”. A verdade é que a incrível aceleração do desenvolvimento tecnológico a que assistimos no presente mostra que essa utopia nunca esteve tão perto. De facto, quando no verão de 2023, a Universidade de Harvard anunciou que tinha contratado um robô como professor do programa de ciências computacionais, tudo mudou no mundo do trabalho.
De repente tornou-se evidente para todos que, se robôs animados com inteligência artificial (IA) conseguem substituir humanos numa atividade totalmente diferenciada e exclusiva como é o ensino, muito provavelmente ainda durante o tempo de vida da maioria dos leitores deste artigo a humanidade irá dispor de tecnologia que permitirá substituir os humanos em todas as atividades laborais sobre as quais se estruturam as nossas sociedades. Desta forma, a questão central já não é se “será ou não possível que todo trabalho humano, mais cedo ou mais tarde, possa ser substituído por máquinas”, mas sim se “será que a existência desta tecnologia nos coloca perante uma utopia, como Agostinho da Silva defendia, ou perante uma distopia”.Para tentar encontrar respostas para esta questão, vale a pena ler o artigo recentemente publicado na revista "Academy of Management Discoveries" (de Nicky Dries et al., de 2024), com o título "Imagining the (Distant) Future of Work". Nesse artigo, os autores equacionam os cenários plausíveis para o futuro do trabalho que foram objeto de análise em artigos publicados na imprensa nos últimos cinco anos.
Esses cenários podem ser agrupados em três conjuntos. No primeiro, o cenário otimista, emergiremos desta revolução tecnológica com as máquinas a substituírem os humanos em todas as tarefas pesadas e desagradáveis, daí resultando uma enorme abundância de recursos que ficarão acessíveis a todos, o que permitirá à humanidade atingir uma era de bem-estar e de progresso nunca antes vivida. Desta forma, não deverão ser colocados quaisquer entraves a esta aceleração tecnológica, nomeadamente impondo políticas regulatórias.
Os autores deste artigo constataram ainda que três grupos dominam quase totalmente o debate sobre o futuro do trabalho: empresários, economistas e escritores ou jornalistas. De uma forma geral, os empresários eram otimistas, os economistas eram céticos e os escritores ou jornalistas eram pessimistas. Para surpresa dos autores, verificaram ainda que políticos e representantes sindicais estavam praticamente ausentes desta discussão.
A grande conclusão parece ser a de que, por enquanto, continua a ser impossível prever qual é o futuro do trabalho. Para já, só é possível prever o que alguns grupos pensam sobre o futuro do trabalho, sendo que, desses grupos não fazem parte, de uma forma geral (e surpreendentemente), políticos nem líderes sindicais. Ou seja, por enquanto, o futuro do trabalho, salvo melhor opinião, é aquilo que dele quisermos fazer.
E o leitor: de que grupo faz parte?
Rogério Colaço
Professor e presidente do Instituto Superior Técnico
(publicado inicialmente no Blog «Comp&Esq» em 16.Jun.2025 - revisto à data desta republicação, em conformidade com a parceria mútua acordada entre as respectivas Com. Editoriais. - selecionado da versão digital do jornal «Público» de 17.Jun.25)
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