Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

29 de agosto de 2025

O futuro do trabalho num mundo de robôs e de inteligência artificial

 


O futuro do trabalho num mundo de robôs e de inteligência artificial

Autor: Rogério Colaço



A questão central já não é se será, ou não, possível que todo o trabalho humano possa ser substituído por máquinas, mas se a existência da IA nos coloca perante uma utopia ou uma distopia.

O saudoso professor e filósofo Agostinho da Silva afirmava que “o homem não nasce para trabalhar, nasce para viver e para criar, para ser poeta”. A verdade é que a incrível aceleração do desenvolvimento tecnológico a que assistimos no presente mostra que essa utopia nunca esteve tão perto. De facto, quando no verão de 2023, a Universidade de Harvard anunciou que tinha contratado um robô como professor do programa de ciências computacionais, tudo mudou no mundo do trabalho.

De repente tornou-se evidente para todos que, se robôs animados com inteligência artificial (IA) conseguem substituir humanos numa atividade totalmente diferenciada e exclusiva como é o ensino, muito provavelmente ainda durante o tempo de vida da maioria dos leitores deste artigo a humanidade irá dispor de tecnologia que permitirá substituir os humanos em todas as atividades laborais sobre as quais se estruturam as nossas sociedades. Desta forma, a questão central já não é se “será ou não possível que todo trabalho humano, mais cedo ou mais tarde, possa ser substituído por máquinas”, mas sim se “será que a existência desta tecnologia nos coloca perante uma utopia, como Agostinho da Silva defendia, ou perante uma distopia”.

Para tentar encontrar respostas para esta questão, vale a pena ler o artigo recentemente publicado na revista "Academy of Management Discoveries" (de Nicky Dries et al., de 2024), com o título "Imagining the (Distant) Future of Work". Nesse artigo, os autores equacionam os cenários plausíveis para o futuro do trabalho que foram objeto de análise em artigos publicados na imprensa nos últimos cinco anos.

Esses cenários podem ser agrupados em três conjuntos. No primeiro, cenário otimistaemergiremos desta revolução tecnológica com as máquinas a substituírem os humanos em todas as tarefas pesadas e desagradáveis, daí resultando uma enorme abundância de recursos que ficarão acessíveis a todos, o que permitirá à humanidade atingir uma era de bem-estar e de progresso nunca antes vivida. Desta forma, não deverão ser colocados quaisquer entraves a esta aceleração tecnológica, nomeadamente impondo políticas regulatórias.

No segundo, cenário céticoa IA, a automação e os robôs não dominarão o mercado de trabalho no futuro. As novas tecnologias simplesmente irão aumentar a produtividade e criar mais riqueza, criando e diversificando a oferta de novos empregos. No terceiro, o cenário pessimistaas empresas irão inevitavelmente ver a automação associada à IA como uma oportunidade de reduzir custos laborais e aumentar a sua produtividade e, sobretudo, os seus lucros. À medida que a tecnologia se desenvolve, haverá extinção em massa de todo o tipo de empregos, uma crescente desigualdade na distribuição de riqueza e uma crise social sem precedentes na história da humanidade.

Os autores deste artigo constataram ainda que três grupos dominam quase totalmente o debate sobre o futuro do trabalhoempresários, economistas e escritores ou jornalistas. De uma forma geral, os empresários eram otimistas, os economistas eram céticos e os escritores ou jornalistas eram pessimistas. Para surpresa dos autores, verificaram ainda que políticos e representantes sindicais estavam praticamente ausentes desta discussão.

A grande conclusão parece ser a de que, por enquanto, continua a ser impossível prever qual é o futuro do trabalho. Para já, só é possível prever o que alguns grupos pensam sobre o futuro do trabalho, sendo que, desses grupos não fazem parte, de uma forma geral (e surpreendentemente), políticos nem líderes sindicais. Ou seja, por enquanto, o futuro do trabalho, salvo melhor opinião, é aquilo que dele quisermos fazer.

E o leitor: de que grupo faz parte?


Rogério Colaço

Professor e presidente do Instituto Superior Técnico


(publicado inicialmente no Blog «Comp&Esq» em 16.Jun.2025 - revisto à data desta republicação, em conformidade com a parceria mútua acordada entre as respectivas  Com. Editoriais. - selecionado da versão digital do jornal «Público» de 17.Jun.25)



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