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Há Dois Anos Atrás, em Loja
O filósofo Sul Coreano Byung-Chul Han diz-nos que todas as Épocas têm as suas características, estando a actual no crepúsculo da Era bacteriana e no dealbar da neuronal manifestando-se esta com clareza nas inúmeras depressões, transtornos de deficit de atenção e transformações da personalidade (síndroma de Burnout), dito de outro modo, a Era imunológica, onde nos defendíamos da negatividade dos microrganismos, está a ser substituída pelo excesso de positividade constituindo um enfartamento incontrolável, ou seja, o sistema imunológico distingue o que é amistoso e perigoso e o neuronal a não dar tréguas à alteridade e à estranheza (pronuncia-se o que pertence aos Outros)
Com efeito, hoje, tudo se expressa nas breves histórias disto e daquilo, tal é o volume da informação, sem aprofundarmos e consolidarmos necessariamente a digestão da mesma. Por tal creio que a vida humana terminará numa hiperactividade fatídica se for despojada do lado contemplativo. Porém, recordo S. Gregório: é muito útil que a alma regresse da vida contemplativa à activa, de modo a que a chama da contemplação transmita a perfeição à actividade. É o que vou tentar fazer com este Traçado. Assim: Este pequeno intróito levou-me a uma bela fita de cinema de Alain Resnais (L'Année Dernière à Marienbad-1961) em que o Autor revisitava locais que, por sua vez, despertavam sentimentos cruciais expressos, ora em ficção ora na realidade. Sim, a nostalgia invadiu os meus circuitos neuronais e a Loja destacou-se nas imagens com que o pensamento se revela.
Logo me assaltou, e se pôs em ebulição, aquela procura frenética, nos dias das sessões em Loja, do lugar para estacionar a viatura (pois o antigo, tradicional e bafejado pela arte arquitectural Bairro Alto não se compadece com a poluição desenfreada que o estava a minar lentamente). Depois a vagarosa caminhada, sempre a subir, até ao Palácio em que os IIr∴ cavaqueiam por tudo e por nada, mas com um cunho de cumplicidade que lhes enche a alma reaproveitada. Chegados lá ao cimo ofegantes, e após o cumprimento caloroso do Sr. J que nos abre a porta e nos cede o instrumental necessário à sessão do dia, vamos encontrando IIr∴ de outras Lojas com quem mantemos uma amizade fraterna de longa data. Bebe-se um café ou se dá ao dente num petisco qualquer e lá nos vamos paramentar para podermos iniciar a respectiva sessão. Aqueles minutos, em que nos convidam a deixar os vícios profanos antes de entrarmos, tem um significado muito para além daquilo que se pede. É quando verdadeiramente sentimos o renascer e a transformação a que nos propusemos e, sobretudo, sentirmos que vamos partilhar (com seres humanos diferentes, mas tão iguais) a vontade e a perseverança de nos tornarmos melhor do que somos. E, claro, quando termina a sessão, aquela sensação cristalina, não inquinada, quase pueril que nos abraça com mil tentáculos onde figuram a liberdade, tolerância, justiça, fraternidade, igualdade e tantas outras virtudes que elevamos bem alto.
De tão vasta e complexa, a Loja, tive que recordar a mim mesmo o que Pierre Audureau escreveu sobre as PPr∴ em Loja, quer dizer, não podem ser um discurso apesar da oralidade com que é apresentada, também não podem ser uma exposição embora tenham que ter uma estrutura sólida e nunca poderão ser uma confissão, mas apenas terem um cunho pessoal e introspectivo.
A Loja poderá ser considerada como uma das primeiras figuras simbólicas com que os Iniciados se deparam ao decidirem o renascimento (ou a sua segunda vida) em que abandonam (não os arquétipos, mas as formas com que se expressam) um Ser e um Estar obesos e entediantes de modo a que o Despertar se evidencie entusiasmante e profundo, dito de outro modo, tentar conjugar a razão pura com o isentar as coisas da sua factualidade e processualidade.
Da Revista Digital "Freemason" se transcreve este artigo:
Páscoa, para um sentido maçónico
É ideia corrente que alguns Ritos são especialmente mais próximos de um sentir e de uma prática religiosa, aproximando-se bastante de interpretações e narrativas crísticas. Sendo verdade, obviamente não responde a toda a complexidade que a Maçonaria integra, natureza da dimensão polissémica dos símbolos e das variáveis interpretações simbólicas que cada um realiza na sua individualidade.
É fascinante a história da integração de Hiram como o centro da narrativa e do ritual da passagem a Mestre, no que de possível podemos recuperar. Numa tentativa de interpretação da integração desta personagem, mais que secundária e periférica da narrativa bíblica, no centro de tão importante momento da vida maçónica, tem um peso muito grande a veterotestamentarização que se encontra na Maçonaria em todo o retomar da simbologia relativa ao Templo de Salomão.
E essa refontização centrada no Velho Testamento encontra-se em muitos aspectos, mesmo se nos centrarmos apenas nos três primeiros graus: é a noção de sacralidade do Templo; é o arranjo do espaço, especialmente no que respeita às colunas; é o mito de Hiram, o Mestre construtor do Templo. Em momentos diversos, em mais de um século de construção, muito de aproximação a significados bíblicos podemos encontrar e, alguns deles, por sobreposição a heranças claramente cristãs, crísticas.
De facto, parte desta veterotestamentarização acaba, ironicamente, por ganhar uma essência fundamentalmente crística. Nas tradições religiosas e iniciáticas nascidas em torno do Mediterrâneo, a morte e o regresso à vida, a ressurreição, é parte quase omnipresente em todas as narrativas. Podemos seguir este caminho mitológico que nasce, pelo menos, na Descida de Inanna ao Mundo Inferior, no Ciclo de Baal, no Mito de Ísis e Osíris, nos Mistérios de Elêusis, nos Cultos em Honra de Adónis, no Culto a Dionísio ou Baco, sem esquecer a Religião de Mitra, para apenas falar nos mais significativos. Mas o ponto último e culturalmente mais marcante é, sem dúvida, o Mistério da Morte e Ressurreição de Jesus, transformando-se, dessa forma, no Cristo.
Passando agora para a quadra que vivemos, o centro da Páscoa é exactamente a morte do Rabi, o Mestre, segundo as palavras de Maria Madalena, a primeira pessoa que o vai encontrar ressuscitado. Nesse ciclo, a figura de Jesus veste a pele de todas as anteriores narrativas da mesma natureza, actualizando-as e dando-lhe um significado reforçado: ao morrer, ser sepultado, descer aos Infernos e ressuscitar, Jesus resgata todos os humanos, transformando-se em Salvador, o Cordeiro de Deus que é sacrificado.