E DEPOIS DA PANDEMIA
Concluído um ano sobre a notificação do primeiro caso de covid-19 em Portugal (2 de Março de 2020), verificaram-se nesse espaço de tempo 804 956 pessoas infectadas (DGS), correspondente a uma taxa de incidência de 80/1 000 habitantes, a 16 351 óbitos (DGS) correspondente a uma taxa de mortalidade de 1,63/1 000 e a uma taxa de letalidade de 23/1 000. Do total de infectados, recuperaram 720 235 doentes, correspondentes a 89% dos infectados. A taxa de incidência é sempre maior nas mulheres a partir dos 10 anos de idade, e a mortalidade só é superior à dos homens a partir dos 80 anos. Ao contrário das doenças crónicas que são de longa duração e lenta progressão as doenças agudas, como é o caso das doenças víricas, são de curta duração e rápida progressão, exigindo, por isso, uma abordagem que limite o seu desenvolvimento e propagação.
Enquanto as doenças crónicas são frequentemente multicausais, as doenças infecto-contagiosas são, pelo contrário, provocadas por um agente externo que penetra no organismo humano e altera o seu funcionamento, podendo, pelas suas características e pelos órgãos que afecta ter um desfecho fatal. Não é o caso do covid-19, cuja taxa de letalidade é muito mais baixa do que outras doenças, principalmente das doenças crónicas, como são os casos das doenças oncológicas e das doenças cardiovasculares, por exemplo.
O que tornou a actual infecção por este vírus um caso particular, foi a circunstância de ela estar presente em todos os continentes e em todos os países, ser altamente contagiosa, ainda se desconhecer alguns aspectos do seu funcionamento, ser assintomática num grande número de casos e letal noutros, não existir terapêutica disponível para atenuar os sintomas mais graves que desencadeia e a única tecnologia capaz de o combater, a vacina, ter um tempo de produção longo, apesar de neste caso ele ter sido excepcionalmente encurtado. Além disso, as medidas preventivas que foram necessárias tomar, se numa primeira fase foram aceites pela população, a sua repetição, causada por erros de cálculo, tornaram mais difícil a adesão às mesmas, causando um elevado grau de desconfiança quanto à capacidade dos responsáveis para lidar com este problema. Houve, por isso, durante algum tempo, alguma turbulência na gestão do processo de controlo da doença, considerando as múltiplas necessidades que ela exige e a sua satisfação atempada, de que se pode dar o exemplo a organização dos cuidados hospitalares que, apesar das imensas carências para dar resposta útil aos doentes, conseguiu que o SNS estivesse à altura do que lhe era exigido. Sem ele, a cacafonia, as ordens e contra-ordens, as orientações clínicas e a actuação dos profissionais iriam estar certamente expostos à ausência de um comando único, condição indispensável para tornar úteis as decisões tomadas.
Hoje, quando já existem sinais de que a pandemia começa a estar controlado, considerando os indicadores que nos são fornecidos pela autoridade de saúde nacional, há lições que já se podem retirar sobre o que aconteceu nestes meses, que poderão ser extrapolados para outras doenças, principalmente as doenças crónicas. "Uma verdadeira UE da saúde", defende o Presidente da República (DN, 25/03). Se considerarmos a incapacidade demonstrada pela Comissão Europeia para gerir as várias fases da gestão da pandemia, mas sobretudo a aquisição e distribuição das vacinas, tenhamos calma. A comissária Kyriakides tinha uma palavra a dizer sobre este assunto e não o fez. Foi preciso a presidente vir justificar as trafulhices da AstraZeneca limitando-se a uma explicação que parecia um comunicado do laboratório que produz a vacina. A exigência esteve sempre ausente das negociações com os laboratórios. Este é um dos exemplos do ambiente existente na saúde europeia. E não se lhe pode chamar política de saúde porque para o efeito teria de haver escolhas e escrutínio sobre essas escolhas.