
Da fé cega à crença feita com base na experiência empírica vai um passo que o sensível determina pela lógica e pela inteligência. Foi o que os portugueses de quinhentos experimentaram pela primeira vez quando desafiaram a “teoria da terra plana” e a crença em realidades míticas geográficas e humanas que o sonho, a poesia e a religião impuseram pela lei da política e do domínio sobre os homens. Os portugueses disseram que a realidade era contrária às simples palavras e às crónicas, porque estiveram lá e viram.
Esta revolução epistémica e ontológica trouxe uma mudança radical em todo o modo de vida na Europa. As ciências nunca mais foram as mesmas e o confronto com outras culturas deu o estímulo para procurar a prova, o objecto, e para replicar a experiência. Com esta revolução os estilos mudaram quer na arte como nas letras. Mas nem todas as artes mudaram ou se revolucionam ao mesmo tempo. Cada uma tem um ritmo próprio, porque vê o tempo do homem a diferentes velocidades.
A história e principalmente a religião são campos de acção do homem, acção intelectiva e espiritual, que levam mais tempo a aceitar as reformas e que mais resistências oferecem às revoluções epistemológicas. O estilo da crónica histórica, de janela fechada e acomodada de ideias, manteve-se por mais tempo enquanto os textos de carácter científico fizeram o seu caminho rápido trazendo incómodo e causando ruído social e político. Os casos de Galilei Galilei e de Giordano Bruno são paradigmáticos na ciência experimental, na cosmogonia e na filosofia. O pensamento e o experimentalismo desenvolveram-se mas a história andou mais lenta ao ponto de Voltaire, que escreveu sobre filosofia e sobre história, ter de rever o estilo literário da época e da crítica histórica, para que dela se entendesse melhor o seu tempo e o seu pensamento. Assim o fizeram Diderot (1713-1784), Rousseau (1712-1778) e Montesquieu (1689-1755).
A Razão como mito do pensamento, aliada ao método científico emergiu como possibilidade única de fornecer verdades elementares, que embora não fossem definitivas e a muito custo determinísticas, foram ainda assim as bases do progresso do conhecimento. A edição da Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné (1751-1772) inaugurou esse processo do pensamento científico que contaminou a História positivamente, dando-lhe uma “razão” que ela nunca teve, um determinismo científico e social que o legado iluminista preparou para que mais tarde a Dialéctica de Hegel se manifestasse através de uma filosofia utilitarista e totalitária.