“O presente poderia ser entendido como o ponto de acumulação de todo o passado, e que estaria grávido de todo o futuro-“
“O Tempo Filosófico” – Philippe Deschamps
in: “O Tempo” – Obra coletiva
O tempo sempre foi para o Homem um grande mistério.
Somos nós que passamos por ele? Ou é ele que passa por nós, connosco no eterno presente?
De acordo com Gaston Bachelard o tempo é o tema da predileção dos filósofos e metafísicos. Ele expressou isso mesmo quando afirmou: “ A reflexão sobre o tempo é a tarefa preliminar de toda a metafísica.“ Acrescento, a começar pela Cosmogénese, pelo princípio, naturalmente quando o tempo começou a poder ser contado.
Para o entendimento do tempo Aristóteles deu uma importante contribuição quando o definiu: “o tempo, se não é o próprio movimento, é o seu número calculado, isto é, o resultado da sua medição“. Dizia ele que há uma permanente troca entre os dois princípios, movimento e tempo, porque um é medido pelo outro. Uma vez que todo o movimento se opera no espaço, também a dicotomia espaço – tempo estaria presente na sua concepção do problema.
Ganhamos consciência do tempo pelo facto do movimento representar uma sucessão contínua, definida como um antes e um depois. Aristóteles fornece a seguinte definição: “O tempo é o número do movimento conforme o antes e o depois.”
A história da humanidade e do tempo são inseparáveis. Sem ele não haveria história nem futuro. O tempo impõe-nos os ritmos da vida diária e é através dele que vemos chegar os dias e as noites, os ciclos naturais, o tempo de semear e de colher, enfim…
Através da observação da natureza e do movimento dos astros, o homem concluiu que há um retorno natural das coisas ao seu ponto de origem. Esse facto levou a que os antigos tivessem um raciocínio muito linear e que pensassem que, uma vez que os movimentos celestes se repetiam, então o universo e mundo seriam eternos. Por outro lado, como todos os astros voltam à sua posição inicial, então todos passam de novo pelo mesmo estado, estando assim justificada a “Lei do Eterno Retorno”. Lei que aplicada ao ser humano levaria a que, ao nascimento se seguisse a morte e, a esta, alguma forma de renascimento.
Há no entanto um tempo que podemos definir como estacionário, o presente absoluto, o tempo fora de tempo e por isso atributo de Deus. Aliás este tempo presente, o eterno presente, é considerado tão sagrado que os próprios hebreus não fazem uso dele: na língua hebraica os verbos não se conjugam no presente (A forma base para os verbos é a terceira pessoa do pretérito imperfeito, no masculino do singular). Numa aceção mais profana, podemos dizer que as grandes nações são aquelas que conseguiram dominar o tempo, porque o domínio do tempo é poder. Relembre-se a grande ruptura social que foi a Revolução Francesa e como então se modificaram as bases do calendário usado em França. Não terá sido também por acaso que a França e a Inglaterra decidiram fundar o Instituto das Longitudes. A longitude é a diferença de tempo entre o tempo local e um tempo tomado como origem (padrão), donde surgiu a ideia de construir os “guarda-tempos” a que chamamos relógios.
O tempo social é o tempo dos calendários, que têm como função a coordenação e regulação das diversas atividades humanas.
Todos os calendários têm uma base astronómica na sua génese. São três os ciclos que servem de base a todos os calendários:
1 – a rotação da terra sobre si mesma, que define a duração dos dias e das noites;
2 – a translação da lua ao redor da terra, ou lunação;
3 – e a translação da terra ao redor do sol, que define a duração do ano.
A grande dificuldade técnica é que estes três ciclos não têm uma relação simples entre si.
Os hebreus, por exemplo, por imperativos religiosos tiveram de conciliar o calendário lunar tradicional com o ritmo das estações (de origem solar). A festa da Páscoa que comemora a saída do Egipto é, na verdade, uma festa da primavera.
Já a Páscoa cristã está ligada ao equinócio da primavera e foi fixada em 1582 com a implantação do calendário Gregoriano (implantado a 4 de Outubro desse ano: a 4 de outubro, uma quinta feira, sucedeu o dia 15 de outubro, uma sexta feira) quando se decidiu fixá-la no domingo a seguir à primeira lua cheia que ocorre depois do equinócio da primavera. A Páscoa cristã rege-se, assim, pelo calendário lunar.
A data do início do ano, que define o ciclo fundamental das estações, é um acontecimento importante para todas as sociedades. Esta data situa-se em momentos específicos do ciclo solar. Por vezes os povos ajustavam o novo ano através de práticas mágicas. Na China antiga, por exemplo, o imperador promulgava as suas ordens fixando o começo do ano, na qualidade de senhor absoluto do calendário e de filho do céu. Em Roma, o padrão era dezembro, quando se festejavam as saturnais, em honra de Saturno (Cronos grego), altura em que as festejos primavam pela inversão dos comportamentos sociais. Para os romanos o deus dos começos era Janus, o deus de duas faces (que deu origem a janeiro).
Por vicissitudes religiosas diversas as festas da renovação seriam encostadas ao equinócio da primavera (março), período de renovação da natureza, com os votos de ano novo a serem feitos em meados desse mês. Nesta versão, que visava contrariar o paganismo romano, fevereiro seria o último mês do ano, e o carnaval aí está para substituir as saturnais romanas.
Hipólito, sacerdote romano (236 D.C.) estabeleceu que o primeiro dia da criação ocorreu entre 20 e 21 de março, na altura em que o dia e a noite são iguais. Na verdade acabou por ser fixado em 25 de março, dia da conceção de Jesus, para que passado nove meses, a 25 de dezembro, a data coincidisse com a do seu nascimento. O ano deveria começar em março, com a conceção de Jesus e, ainda hoje, os meses do ano nas mais diversas línguas são depositários desta tradição: para setembro ser o sétimo mês, março terá de ser o primeiro.
No ocidente o solstício de inverno acabou, no entanto, por prevalecer como padrão, especialmente porque a partir dele os dias crescem em relação às noites, o que significa que a Luz começa ganhar tempo à escuridão, com os dias a crescerem em tamanho até ao solstício de verão. É a Luz que se debate com as trevas, vencendo-a. É a Luz, essa dádiva divina, esse Bem essencial para que o mundo se manifeste, para que a vida e as formas se manifestem e percebam, que acaba por prevalecer.
E assim se passa de março para dezembro, da conceção para o nascimento de Jesus Cristo.
Na verdade desde a antiguidade que a Luz sempre foi associada à Divindade. Por extensão, ela veio a simbolizar o conhecimento e o Bem, enquanto as trevas representam a ignorância e o mal. É isto, aliás, que explica que o fogo brilhasse permanentemente nos templos do Egipto e da Grécia antigos. Esse fogo, que por nenhum motivo podia ser extinto, simbolizava o Fogo Divino e a Iluminação Divina.
Atualmente, este simbolismo encontra-se sob as mais diversas formas em todas as religiões do mundo e em todas as tradições místicas. A Nossa própria Augusta Ordem perpetua a Luz através de muitos dos seus rituais, independentemente dos ritos praticados.
No antigo Egipto, a Luz Divina era simbolizada pelo deus Rá, designado também através do seu nome “Aton”. Nos templos gregos, era deificada na figura de “Hélios”.
Os seguidores de Zoroastro chamavam-na de “Ahura Mazda” e os hebreus de “Aor”. Os budistas denominam-na de “Maha-Boddi”, os muçulmanos de ”En-Nûr”. Os cristãos denominam-na de “Espirito Santo” (a terceira pessoa da trindade, a parte feminina de Deus).
Realce-se que, qualquer que seja a terminologia aplicada, ela se refere à Omnipresença, Omnipotência e Omnisciência de Deus, considerado como o Ser Supremo que está na origem de tudo o que foi, é e será. Por outras palavras, a Luz é a Essência pela qual a Divindade vivifica e anima toda a Criação, desde sempre, desde o começo dos tempos.
Como confirmam os textos antigos muitos eram os povos que no passado celebravam a cada ano o Solstício de Inverno, muitas vezes com a denominação de Festa da Luz, o qual era celebrado entre os dias 21 e 28 de dezembro. Parece que é durante este período que é maior a harmonia entre os ciclos humanos, os naturais e os cósmicos.
Este período de grande influência cósmica estava associado em diversas tradições ao nascimento do deus Sol, ou ao parto da “Rainha dos Céus”. Além disso, segundo se afirma, vários deuses antigos teriam nascido a 25 de Dezembro. Refira-se o caso de Hórus, Mitra, Adónis e Dionísio (Baco). A rainha virgem Mahâ-Mayã ficou gravida de Buda e ele terá nascido a 25 de dezembro e o mesmo terá acontecido com Krishna nascido da virgem Devaky. Segundo os pais da Igreja Cristã, como já vimos, o próprio Jesus Cristo teria nascido nessa data. Apenas citei os mais conhecidos
Mas também Hercules terá nascido então. Em dezembro os druidas festejavam os seus deuses com grandes fogueiras. Os germânicos festejavam Yule. No méxico festejava-se o final do ano e o primeiro mês, chamado de Rayme. Encontram-se festividades semelhantes também no antigo Irão.
A despeito da veracidade destas tradições o solstício de inverno é, para muitas religiões, um período particularmente místico, com os mais diversos povos a fazerem nascer, nesse momento especial, muitos dos grandes “mensageiros divinos”.
Entre nós, festejamos o solstício de inverno com os Fogos de São João (o Evangelista, já que São João Baptista é regente do solstício de verão) com um ritual tocante e inspirado, no qual celebramos a Luz enquanto princípio que deve conduzir a Humanidade naquela que é a nossa divisa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Porque Somos todos UM.
Prometeu M∴M∴
da R∴L∴ Acácia
Nota Adicional
A Luz e o Cristianismo Primitivo
De acordo com a tradição cristã mais primitiva, todo o ser humano é um veículo da Luz Divina, já que possui uma alma que tem a sua origem na Alma Universal que por natureza é pura e perfeita. Quando comparada com essa Luz, cada um de nós mais não será que uma centelha dessa Luz Maior, sendo que essa chama que pertence a cada um de nós, possui-nos, e faz de nós seres de essência divina. É nessa centelha que reside a perfeição da nossa própria natureza.
Quer tudo isto dizer que a nossa natureza contem em potencial a iluminação e que para ela nos devemos dirigir trabalhando a pedra bruta, as nossas imperfeições, olhando para o nosso interior que é fonte de inspiração e agente da nossa evolução espiritual.
Dito de outra maneira, na essência do cristianismo para chegar a Deus não será preciso ir muito longe, bastará que cada um vá dentro de si mesmo. Por alguma razão Cristo dizia que para chegar a Ele, ao Pai, bastaria que cada um se recolhesse e que conversasse com Ele. Sem intermediários.
Daí que se possa dizer que o Cristianismo original era particularmente espiritualizado e não religioso.
Façamos então a distinção entre a espiritualidade e a religião.
As religiões são a espiritualidade socializada. Na religião um avatar ou um profeta que teve uma revelação espiritual transmite-a a terceiros, que a socializam dando-lhe corpo e criando doutrina, que depois se transforma numa estrutura organizada e hierarquizada sob a forma de uma igreja. Foi assim com o Cristianismo, foi assim com todas as religiões do Livro.
O que podemos afirmar é que de alguma forma a Espiritualidade em todas as situações precede as religiões e por isso, de alguma forma, a Espiritualidade está acima das religiões, porque a todas ela assiste.
E porque a todas as religiões a espiritualidade assiste, a todas deve considerar de igual modo e, neste sentido, a espiritualidade não pode ser considerada se não laica. Ela será a relação de cada ser humano com o divino sem intermediários, numa relação direta de busca da Luz e do Divino.
Até ao século quarto, século em que tanto se discutiu a natureza de Cristo, muitos eram os núcleos da igreja cristã primitiva que tinham esta leitura (muito Gnóstica) do cristianismo, leitura que soçobrou ao Credo Niceno (de Constantino), quando ele impôs que se acreditasse não haver salvação fora da Igreja Romana. Na verdade usou-a enquanto instrumento de unificação do império.
E o Homem confrontou-se com as trevas.
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