Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

31 de janeiro de 2021

Garcia de Horta

Garcia de Orta Foi ainda muito jovem, numa sala de aula que pela primeira vez que ouvi falar em Garcia de Orta. Um velho professor decidiu partilhar connosco a sua admiração por um médico e naturalista português, de origem judia, nascido provavelmente em 1500 ou 1501, em Castelo de Vide, quando Pedro Alvares Cabral descobria o caminho marítimo para o Brasil. Fez uma pequena obervação que me ficou na memória - “Sabem, Garcia de Orta, à época, seria dos homens que no mundo ocidental mais conhecimento reuniu...”. A partir desse dia a minha curiosidade sobre Garcia de Orta cresceu e resultou em admiração por um homem do renascimento que me deu a concepção do que passaria a ser o meu papel no mundo e que ainda hoje carrego comigo: a saber, que a ciência e o nosso desenvolvimento pessoal têm um elemento em comum – uma vivência que deve procurar ser holística, integrando os vários ramos da ciência; e aceitando o outro, não por curiosidade mas por convicção de que somos todos iguais. Porque Garcia de Orta foi muitas coisas (mas não de tudo um pouco). Médico de formação (Estudou Filosofia Natural, Medicina e Botânica em Espanha), que exerceu quer em Portugal quer na Índia, foi igualmente professor de Filosofia na Universidade de Coimbra, comerciante em Bombaim, tendo inclusive fundado um jardim botânico e um museu. Voltando à frase do meu velho professor, os seus conhecimentos de botânica, de farmacologia, foram únicos no seu tempo (escreveu Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia (1563), obra mista de medicina, farmacologia e filosofia natural, que revolucionava os conhecimentos da velha Europa, valendo como reação contra o saber dos Antigos, como afirmação dos valores da experiência e das aquisições científico-naturais), resultado do seu convívio com outras culturas (e civilizações), e de uma procura incessante pelo saber que o levaram à partilha de conhecimento com cientistas árabes e hindus. Garcia de Orta conviveu com o “outro” num tempo em que o outro era o infiel. Não apenas porque valorizava a ciência, a procura do conhecimento, mas também porque (assim gosto de acreditar) o contacto com outros povos o tornou melhor homem; porque as suas viagens o “educaram” a ver no outro um igual. Alguém com quem partilhar o pão (e a razão). Pela minha parte, este exemplo de Garcia de Orta levou-me a acreditar que será pelo conhecimento que aumentamos a “possibilidade” de nos tornarmos melhores homens, mais capazes de compreender o mundo e os outros homens. Se tomarmos como ponto de partida o legado do homem do renascimento que foi Garcia de Orta, capaz de pensar o mundo concreto e a capacidade do ser humano em compreendê-lo e assim transformá-lo - em oposição aos valores feudais do misticismo e da religião – podemos almejar tornar perene (pelo legado humanista que deixamos) a nossa breve estadia no mundo.

30 de janeiro de 2021

Entrevista a Adilson Zotovici

“Poesia para mim é a forma imediata de comunicação entre a alma de quem a escreve com a de quem a lê.” (Adilson Zotovici). O Poeta Adilson Zototvici tem sido, através dos seus Versos, um Colaborador assíduo no nosso Blogue enriquecendo-o com a subtileza das menssagens escondidas atrás das palavras. Vale a pena ler uma entrevista a um Jornal do lado de lá do Atlântico neste «Link»: http://www.jornalrol.com.br/na-secao-entrevistas-rolianas-celso-ricardo-de-almeida-bate-um-papo-com-o-escritor-adilson-zotovici/

19 de janeiro de 2021

Modernos versus Antigos na conflitualidade Maçónica Inglesa no Século XVIII

 


Modernos versus  Antigos na conflitualidade Maçónica Inglesa no Século XVIII - o que Consta e a Realidade

 I – O Século XVIII e o desenvolvimento do conflito

O grande conflito que sacudiu a Maçonaria inglesa ao longo de cerca de 60 anos (de 1751 até 1813), é normalmente designado como o diferendo entre "Antigos" e "Modernos”. Não é por acaso que este período e este assunto têm sido estudados, até ao primeiro quartil do século XX,  como um facto histórico interno à própria Inglaterra. Contudo, as suas implicações foram profundas para o desenvolvimento da Maçonaria a nível inglês, europeu e mundial, através da expansão do imperialismo Britânico, em que a Maçonaria óbviamente assumiu um papel importante, quer na exportação de quadros (militares e outros), quer posteriormente na formação dos novos quadros coloniais. Para perceber a evolução da Maçonaria especulativa (em geral) e da inglesa em particular, é essencial conhecer as etapas  do confronto entre "Modernos" e "Antigos". Resumem-se classicamente da seguinte forma:   em  Inglaterra até 1750  a Maçonaria «oficial» era unida e uniforme, já que na primeira metade do século XVIII existia uma única organização maçónica dominante,  a Grande Loja de Londres (G:.L:.L:.), considerada vulgarmente a partir de 1717, o berço fundacional da moderna Maçonaria, dado que  Gr. Loja de York  e algumas poucas lojas autónomas foram progressivamente reduzindo a sua actividade, apesar de contestarem e não reconhecerem  oficialmente a existência daquela. No entanto a história dos primeiros tempos da  Maçonaria  inglesa  é mais complexa do que na maior parte das obras e  textos  nos foi transmitido até ao século passado, graças ao aprofundamento da pesquisa e aos avanços registados nas investigações sobre este período. É claro que a história da Maçonaria Inglesa não se limita "stricto sensu"  à Inglaterra. Na verdade é a história duma Maçonaria que está exposta a vários tipos de influências, desde as internas, de base britânica, mas também às componentes externas, sobretudo as influências escocesas e irlandesas. É no segundo terço do século XVIII, que se constitui em Inglaterra um sistema maçónico, produto de todas estas influências e que, evidentemente, também teve em seu redor influências doutras «paragens», especialmente de alguns «ventos» reenviados a partir de França. Ao renovar a abordagem sobre este período essencial, devemos aprofundá-lo como desenvolvimento Inglês, mas de recorte irlandês, contribuindo decididamente para deslocar e influenciar a Maçonaria continental,  sobretudo as Maçonaria francesa e alemã. Quase 100 anos mais tarde após a fundação «oficial» da G:.L:.L:., a  Grande Loja Unida de Inglaterra (G:.L:.U:.I:.) surge  da fusão entre «Modernos» e «Antigos», em 1813. Desde logo e a  pretexto de se auto-designar herdeira e continuadora da Grande Loja de Londres (G:.L:.L:.), obviamente não tem interesse em fazer emergir o diferendo que opunha as duas anteriores G:.L:.s  para o exterior do estrito âmbito inglês, passando posteriormente a utilizar o manto diáfano da «Regularidade», que  passou a atribuir “dogmaticamente” às Obediências (predominantemente de base anglo-saxónica, mas não só) que se vieram colocar perante a sua autoridade, por forma a  estender o seu domínio à escala mundial. Como bem evidenciou Alain Bernheim [5], tanto a Maçonaria Inglesa como a francesa foram, no que respeita aos graus azuis, substancialmente idênticas pelo menos até 1750,  altura do aparecimento dos "Antigos". Philip Crossle, talvez um dos maiores historiadores da Maçonaria irlandesa, a partir de 1928  começou a chamar a atenção para as especificidades desta Maçonaria e especialmente, para a existência de um sistema composto por 3 Graus, anterior ao sistema revelado (não oficialmente) em Londres por Samuel Prichard,  em 1730.  Este sistema era dotado dum conteúdo diferente, ao compreender um novo grau, denominado de “Arco Real”. Ao apresentar o seu trabalho de investigação,  Crossle estava implicitamente a levantar também uma questão complexa, a do aparecimento e influência dos Altos Graus na história geral da Maçonaria.