Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

14 de março de 2012

A desmistificação de uma contradição

1. Todas as pessoas são livres de opinar sobre o que quiserem, mas só algumas têm a competência necessária para dirimirem, com autoridade, uma questão polémica. A Maçonaria talvez possa permitir que os seus súbditos sejam católicos, mas não que os cristãos sejam maçons, porque só a Igreja, pela voz autorizada do seu magistério e da sua hierarquia, é apta para decidir se um fiel pode, ou não, pertencer à Maçonaria.

2. Sobre esta matéria, a verdade é que a Igreja não tem sido omissa. Já em 1738, com a Constituição Apostólica In eminenti, de Clemente XII, a Maçonaria foi formal e expressamente proibida aos católicos, sob pena de excomunhão. Desde então, todos os papas confirmaram a radical e insolúvel incompatibilidade entre as duas instituições. Leão XIII, na Encíclica Humanum genus, de 1884, reafirmou a interdição dos fiéis aderirem à Maçonaria e, em mais 225 documentos, reiterou até à saciedade esta condenação. O diagnóstico foi sempre o mesmo: são duas visões insanavelmente divergentes no que respeita a Deus, ao homem, à verdade e à liberdade. Também os papas actuais, nomeadamente o beato João Paulo II e Bento XVI, mantiveram o mesmo veredicto que, portanto, se deve considerar doutrina definitiva e irreformável da Igreja. Pelo menos enquanto a Igreja e a Maçonaria forem o que são.

3. Também, do ponto de vista canónico, não há lugar para dúvidas. O anterior Código, de 1917, previa a pena máxima, ou seja, a excomunhão automática, para o católico que se inscrevesse numa qualquer loja maçónica. O Código actual, de 1983, embora não imponha de forma imediata essa sanção, que contudo também não exclui, esclarece que um cristão que pertença à Maçonaria fica, ipso facto, em situação de pecado grave ou mortal e, em consequência, privado da comunhão sacramental.

4. Como entender, então, que alguém se afirme publicamente como católico e maçon? A expressão, contraditória nos seus termos, só admite duas possíveis explicações.


A primeira hipótese é a de que o dito crente ignore, de boa-fé, a doutrina da Igreja sobre o particular, bem como a natureza intrinsecamente anticristã da Maçonaria.
Alguns cristãos – crianças, analfabetos, etc. – talvez desconheçam esta incompatibilidade, mas seria estranho que entre os maçons, uma elite supostamente tão ilustrada, se desse uma tal ignorância. É, no mínimo, curioso que, em pleno séc. XXI, haja ainda intelectuais, como os ditos pedreiros-livres, que desconheçam uma doutrina reafirmada repetidamente, há quase três séculos, pela Igreja, e atestada por nada menos do que 598 declarações unânimes do seu magistério!
Se a boa-fé for autêntica e tão crassa a ignorância, o crente maçon é inocente de uma tal incoerência. Mas deixará de o ser se, esclarecido sobre a impossibilidade de pertencer às duas entidades, não deixar a Maçonaria.

5. A outra hipótese é a de que o cristão, que publicamente se diz maçon, aja de má-fé. Com efeito, um fiel que, conhecendo minimamente a doutrina cristã, adere consciente e voluntariamente a uma ideologia que sabe ininterrupta e fundadamente proibida por todos os papas, de fiel só tem o nome. De facto, um soldado, que desobedece a quase seiscentas ordens dos seus legítimos superiores, não é apenas um refractário, mas um desertor, ou um traidor. Talvez fosse pensando nestes tais “cristãos” que Paulo VI afirmou que o fumo de Satanás se infiltrou na Igreja de Deus…
Quem, de forma tão acintosa, desrespeita um mandato formal da máxima autoridade religiosa e disso faz público alarde, ofende gravemente a Igreja, que devia amar e servir. Aliás, estes “cristãos”, que são tão solícitos no apoio à “sua” Maçonaria, nunca vêm a público defender a Igreja, ou o seu magistério, que amiúde contradizem. Não em vão Cristo disse que é pelas obras que se conhecem os seus verdadeiros discípulos e, ainda, que ninguém pode servir a dois senhores.

6. Talvez seja esta a prova que faltava para poder concluir, na verdade da caridade, que a Maçonaria – não obstante a eventual boa-fé, por ignorância invencível, de alguns dos seus membros – continua fiel, apesar das suas campanhas de desinformação e de branqueamento do seu passado, ao seu ideário anticristão e anticlerical.

Afinal de contas, “católico maçon” não é apenas uma contradição, mas uma dupla mentira: nem católico… nem pedreiro!

Gonçalo Portocarrero de Almada
Licenciado em Direito e doutorado em Filosofia Vice presidente da CNAF
in Público 2012-03-08 

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